SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As tarifas de importação impostas pelo presidente americano Donald Trump, de 50% no caso do Brasil, devem encarecer a construção de uma infraestrutura de eletricidade nos Estados Unidos, projetada para sustentar uma economia com mais data centers e carros elétricos, avaliam executivos brasileiros do setor elétrico.

Dentro da pauta de exportação brasileira da indústria de eletricidade para os Estados Unidos, o principal item é o transformador. Trata-se de um maquinário essencial para a transmissão de energia que pesa entre 400 e 500 toneladas e adapta a potência elétrica gerada nas usinas —seja para aumentá-la durante o transporte em fios de alta tensão ou para reduzi-la aos 110 watts ou 220 watts que chegam às tomadas de casa.

Só em 2024, os americanos desembolsaram US$ 29,2 bilhões em transformadores e peças similares, de acordo com dados da OMC (Organização Mundial do Comércio). Desse total, US$ 541 milhões saíram do Brasil, que tem aumentado sua presença nessa pauta comercial desde que o presidente americano impôs barreiras aos produtos chineses em seu primeiro mandato.

Esse comércio vem em tendência de alta desde 2018. No primeiro semestre deste ano, o Brasil exportou R$ 1,9 bilhão (US$ 346 milhões) em transformadores para os americanos, mostram dados do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços). Por outro lado, 82% das exportações brasileiras desse componente foram para os Estados Unidos.

Ainda assim, o diretor da multinacional suíça Hitachi no Brasil, Glauco Freitas, avalia que os impactos na indústria brasileira devem ser limitados no curto prazo. “As encomendas já estão feitas, e os slots de fábrica já estão comprometidos.”

A construção de um transformador pode demorar de 3 a 18 meses, por causa do processo construtivo que requer mão de obra, além de maquinário pesado e especializado. Além disso, a alta demanda atual resultou em filas que podem demorar mais de um ano.

“A indústria americana precisa acelerar a transição energética, e ela depende muito disso”, afirma Freitas. Mais caro do que investir em energia, acrescenta ele, “é ficar sem energia”.

Projeções do think tank americano Edison Electric Institute mostram que os Estados Unidos devem gastar US$ 1,1 trilhão até 2030 na expansão de seu sistema elétrico para atender novas demandas como a eletrificação da frota e os servidores por trás dos grandes modelos de inteligência artificial. Além disso, o grid americano, até hoje, é fragmentado por região —diferentemente do Brasil, por exemplo, onde há conexão do sistema em todo país.

Hoje, a Hitachi, de acordo com Freitas, não depende dos Estados Unidos, porque exporta para outros países. “A demanda mundial é muito grande e a empresa se capacita para isso tecnicamente”, diz.

As maiores manufatureiras de transformadores no país, além da Hitachi, são Weg, Tsea, Siemens e GE.

No caso da Tsea, antigo braço de energia da Toshiba que se desmembrou quando o conglomerado japonês deixou o Brasil, a exposição ao mercado americano é de 96% das vendas do grupo, de acordo com relatório do Itaú BBA. Procurada, a empresa não respondeu aos pedidos de comentário da Folha.

A brasileira Weg, por sua vez, diz que as tarifas não devem ter efeitos relevantes sobre o seu comércio.

Em sessão de conversa com investidores, o diretor administrativo-financeiro da Weg, André Luiz Rodrigues, afirmou que a maior parte dos transformadores produzidos no Brasil ficam no país e nos territórios vizinhos.

Além disso, diz Rodrigues, existe a possibilidade realocar as rotas de exportação, mesmo que seja um processo que demore alguns meses e, ainda assim, tenha impactos. “Podemos usar o Brasil para atender a demanda local em México e Índia e usar a produção desses países para atender o mercado americano”, exemplificou.

Siemens e GE não responderam aos pedidos de entrevista da reportagem.

Segundo os números do MDIC, que desconsideram valores de frete, as exportações de transformadores para os EUA totalizaram US$ 497,5 milhões em 2024, o que respondeu por cerca de 68% do faturamento de US$ 735,6 milhões da indústria no período.

De acordo com o presidente da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica), Humberto Barbato, os fabricantes brasileiros entraram na lista de fornecedores de transformadores dos Estados Unidos, quando Trump, em seu primeiro mandato, impôs barreiras comerciais contra a China. “O mercado norte-americano é um mercado muito concorrido”, diz.

Ainda assim, a China vendeu US$ 3,86 bilhões em transformadores para os Estados Unidos em 2024, quando encerrou o ano como segunda maior fornecedora dos americanos, atrás somente do México (US$ 6,6 bilhões). Ambos os países também são alvos das tarifas de Trump —15% para os mexicanos e 30% para os chineses.

O setor, porém, tem preocupações sobre os efeitos no longo prazo, devido a investimentos recentes feitos no Brasil. A Hitachi anunciou, no ano passado, um investimento de R$ 1,2 bilhões na expansão de sua fábrica de Guarulhos, enquanto a Weg está expandindo sua produção em Itajubá, no interior de Minas Gerais.

Freitas, da Hitachi, defende a negociação. “No médio para o longo prazo, eu acredito em uma solução diplomática, que beneficie os dois países.”

A Abinee alerta que as tarifas devem afetar outros produtos menos relevantes na pauta de exportação brasileira, como os motores, geradores e outros componentes elétricos industriais.

Em carta enviada ao Mdic, a entidade pede um aumento da alíquota temporária do Reintegra, programa do governo que beneficia empresas com crédito tributário proporcional às suas exportações, suspensão de tributação sobre insumos, além de desonerações em impostos federais nas exportações para os Estados Unidos.

Embora ainda não tenham chegado à Abinee relatos de suspensão de embarque de peças elétricas, a entidade diz que atua para proteger a atividade no país. “Agora, a Abinee se mobiliza para que a produção continue no Brasil, para que as tarifas não gerem desemprego.”

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Colaborou Pedro Lovisi