SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O que Cher, Elizabeth 2ª e Melania Trump têm em comum? Todas são de touro, o “cabeça-dura do zodíaco”, conhecido por aguentar firme e persistir.

Isso explica por que a cantora “há 72 anos ininterruptos usa as mesmas botas de verniz superlongas e a mesma peruca”, a rainha ficou “79 anos usando véu por trás do chapéu cor de damasco na sua cabecinha branca e acenando ao povo sem piscar ou dar uma surtada, nem uma vezinha” e a primeira-dama nunca abandona o semblante impassível, mesmo ocupando o posto deveras complicado de esposa de Donald Trump. “Ah, Melania!!! A taurina mais taurina que o mundo já viu!!!”

“A Astrologia de Liv Strömquist” traz essas e mais conexões cósmicas para falar de um fenômeno bem mundano dos nossos tempos. O que o horóscopo diz sobre quem somos?

Nadinha de nada, se você não acredita que a posição dos astros no dia do nascimento determina a pessoa que você é. O filósofo alemão Theodor Adorno via contornos capitalistas nesse pressuposto, e a mãe da quadrinista Liv Strömquist também não é muito fã da ideia (já chegaremos lá).

A questão é que muita gente crê nisso, o que intrigou a autora dessa história em quadrinhos, que dividirá uma mesa com a escritora brasileira e colunista da Folha de S.Paulo Giovana Madalosso na Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, nesta sexta (1º).

“A astrologia tem voltado com tudo”, diz à reportagem a sueca nascida 47 anos atrás sob o signo de aquário, no mesmo 3 de fevereiro que a francesa Simone Weil e com partes do seu mapa astral semelhantes às de figuras tão distintas quanto Che Guevara e Sylvester Stallone.

Não que isso importe. Ou importa? Strömquist é ambígua sobre a hipótese. Sua postura na nova obra não é cravar se as estrelas mandam e desmandam nas nossas vidas, tampouco decretar que isso não passa de uma grande bobagem.

Formada em sociologia e ciência política, ela parece menos interessada em tecer juízos de valor sobre os crentes da astrologia e mais afim de traçar paralelos divertidos —e confessadamente aleatórios— entre o que as estrelas do céu têm a dizer sobre as estrelas da Terra.

Kim Kardashian? Claro que a influencer americana é daquele que “talvez seja simplesmente o melhor signo”, a “brisa veranil do zodíaco”. Kim é um ótimo exemplar de libra. “Com seu mágico charme libriano, já hipnotizou o planeta inteiro —enquanto suga o dinheiro de todo mundo.”

Já os linguarudos e nem sempre fiéis geminianos têm como amostra dois presidentes dos Estados Unidos: Donald Trump, condenado por subornar uma atriz pornô com quem traía a taurina Melania, e John Kennedy, que certa vez declarou: “Se eu passar três dias sem uma trepada, fico com dor de cabeça”.

Strömquist já foi rata de horóscopo, após uma amiga colocar na roda um livro sobre o assunto. “Mas depois de um tempo reparei que fui tendo preconceitos com pessoas de signos diferentes”, ela conta numa videochamada dias antes de viajar ao Brasil. “Aí engravidei e me preocupei se minha filha ia ser de peixes ou aquário.”

Há notícia de empresas que descartam currículos se o candidato à vaga é de signo tal —escorpianos costumam levantar desconfiança— e gente que cria ranço com pretendentes em Tinders da vida —aí quem é de escorpião, com fama de alta libido, pode levar vantagem.

A sueca diz ter sacado que “não é legal ter esse tipo de pensamento”. Deixou de lado a consulta aos astros e voltou ao tema só agora, encucada com a moda da astromancia, sobretudo entre jovens.

Chegamos ao ponto em que, se antes jornais eram fonte primária para saber o que o horóscopo reservava diariamente para os leitores, com previsões para os 12 signos, agora é a inteligência artificial quem dá as cartas. Já há quem recorra a ChatGPT e afins para ler tarô virtual.

Strömquist só lamenta. “A coisa entediante da IA é que ela é só uma coleção de toda a sabedoria que já existe. Não pode ser um conteúdo novo, então é melhor evitar. Usem suas velhas cartas de tarô”, sugere.

A quadrinista vai do pop ao erudito em suas referências, recurso já explorado em histórias que produziu sobre vulvas (“A Origem do Mundo”), autoimagem feminina (“Na Sala dos Espelhos”) e amor em tempos capitalistas (“A Rosa Mais Vermelha Desabrocha”).

Pensador da Escola de Frankfurt, Theodor W. Adorno entra como um contraponto solicitado pela mãe de Strömquist. Ambos viraram personagens da HQ. Ela mostra a bibliotecária aposentada, hoje instrutora de ioga, injuriada com a premissa de seu novo livro. Até a sogra interveio: “Esse negócio de categorizar as pessoas, dizer que ‘fulano é assim e fulano é assado’, não é um tipo de fascismo?”.

No capítulo sugestivamente intitulado “Tá Bom, Mãe!”, a autora questiona “por que as pessoas, uns 300 anos depois do iluminismo, ainda se interessam por astrologia”. “E de onde vem a sensação que eu mesma tenho, de que a astrologia é ‘legal’, ou seja, de onde vem a cosquinha que você (eu) sente quando lê sobre astrologia?”

É a deixa para introduzir Adorno. Ele publicou em 1952 o ensaio “As Estrelas Descem à Terra”, baseado no horóscopo publicado pelo jornal Los Angeles Times. Em vez de enquadrar a leitura dos astros como algo místico, o alemão a insere na lógica capitalista da cultura de massa, uma “pseudorracionalidade” que guia decisões práticas no dia a dia.

Strömquist esqueceu de apontar que Adorno, claro, só podia ser do signo que ela própria descreve como “o ruminador do zodíaco”, que “passa o dia inteiro pensando no que há de errado”. Virginiano típico.

A ASTROLOGIA DE LIV STRÖMQUIST

– Preço R$ 99,90 (184 págs.)

– Autoria Liv Strömquist

– Editora Quadrinhos na Cia

– Tradução Kristin Lie Garrubo

LIV STRÖMQUIST NA FLIP

– Quando Sex. (1º), na mesa ‘Tudo que Desabrocha’, com Giovana Madalosso

– Onde Centro Histórico de Paraty

– Preço De R$ 39 a R$ 135 (ingressos esgotados)