BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Imóveis funcionais da União estão ocupados por servidores “fantasmas’ que constam em bases de dados como falecidos, aposentados ou enquadrados em funções inexistentes no Poder Executivo. Segundo dados do Portal da Transparência, são ao menos 50 as moradias nessas condições, e 37 registram pessoas nessas condições como moradores há mais de 30 anos.
Têm direito a imóveis funcionais os servidores em cargos comissionados que não tenham propriedades no Distrito Federal. São eles: ministros de Estado e os ocupantes de cargos em comissão no alto escalão e em funções de natureza especial, como diretores de órgãos como a Abin (Agência Brasileira de Inteligência).
O governo possui 826 imóveis funcionais. O número não inclui as propriedades do Ministério das Relações Exteriores, cujos dados de 2024 não estão disponíveis no Portal da Transparência. Em 2023, o Itamaraty registrava 544 imóveis funcionais.
Por lei, servidores que moravam em um imóvel funcional até março de 1990 e estão quites com obrigações relacionadas à ocupação têm direito de preferência de compra da unidade. O mesmo vale para descendentes e ascendentes que também tenham vivido ali à época, caso o titular tenha falecido. Em alguns casos, essa possibilidade gera disputas judiciais, o que dificulta a retomada da posse.
Pessoas que ocuparem os imóveis irregularmente devem pagar, a cada mês, multa no valor de dez vezes a taxa de uso que todo servidor paga ao morar numa propriedade da União. No entanto, segundo a AGU (Advocacia-Geral da União), a jurisprudência prevê que a penalidade só seja aplicada após trânsito em julgado do processo judicial (quando não cabe mais recurso), o que esvazia a prática e dificulta sua aplicação.
Falecido há pelo menos dez anos, Emivaldo Raimundo de Souza consta como morador de um imóvel funcional na Asa Sul, bairro de Brasília, desde 1984. O apartamento é, na verdade, ocupado por seu sobrinho, Anderson Brascher.
Quando vivo, Emivaldo quis comprar o apartamento. De acordo com a AGU, no entanto, ele não comprovou ter quitado as taxas de ocupação. Sem os comprovantes, o processo de compra foi cancelado.
Emivaldo tentou retomar a aquisição do imóvel, mas faleceu antes que a compra fosse concluída. Os irmãos do servidor quiseram continuar com o processo, que, no entanto, foi extinto em 2015, uma vez que a compra só poderia ser feita pelo cônjuge, por descendentes ou por ascendentes.
Neste ano, a AGU entrou com uma ação para recuperar a posse. Os autos constam como conclusos para decisão da Justiça, segundo o órgão.
Em nota, o escritório Rodrigues Ribeiro Advogados, que representa Brascher, afirma que o servidor assinou o contrato e pagou o sinal para compra do imóvel, o que fez a Justiça considerar a posse como legítima. Segundo a nota, a decisão de não permitir que a aquisição seja concluída pelos irmãos do servidor desconsidera esse reconhecimento da posse.
O escritório afirma ainda que Brascher não se opõe à regularização do imóvel e que os familiares do servidor falecido arquem com os custos de IPTU e condomínio, mas não cita a taxa de ocupação.
Outro caso é o do apartamento que consta como ocupado por Dulce Maria Ribeiro Moreira, falecida há pelo menos 12 anos. Dilson Moreira, viúvo de Dulce, entrou com processo para fazer a compra do apartamento, que foi aprovada. No entanto, o valor da venda foi objeto de discussão judicial, segundo a AGU. Moreira faleceu em 2024, e o filho do casal será habilitado no processo.
Em média, servidores pagam R$ 842 por mês de taxa de ocupação. A cifra representa metade do aluguel padrão de um apartamento de um quarto, sem vaga de garagem, no Distrito Federal. Para imóveis desse tipo, o locatário costuma pagar entre R$ 1.540 e R$ 1.660.
Há imóveis em situação irregular vinculados ao Ministério da Defesa e à Secretaria do Patrimônio da União, ligada ao MGI (Ministério da Gestão e da Inovação).
Em nota, a Defesa afirma que os imóveis com ocupação irregular são alvo da ação judicial para retomada de posse. Já o MGI diz que tem compromisso com a gestão responsável do patrimônio para que o uso dos imóveis esteja em conformidade com a legislação vigente.
Segundo a pasta, há 42 processos judiciais envolvendo imóveis funcionais sob a gestão da secretaria, com casos de servidores que se aposentaram ou foram exonerados e não desocuparam o imóvel; cônjuges de falecidos que permaneceram na unidade; e servidores que passaram a atuar em empresas públicas e perderam o direito de ocupar a propriedade da União.