Da Redação
A partir de janeiro de 2026, pessoas diagnosticadas com fibromialgia terão seus direitos ampliados no Brasil. Isso porque a condição passa a ser oficialmente reconhecida como uma deficiência em âmbito nacional, graças à Lei nº 15.176, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e publicada no Diário Oficial da União no dia 24 de julho. A nova legislação entrará em vigor após 180 dias e representa um marco para quem convive diariamente com uma doença invisível e crônica.
Esse reconhecimento significa que pessoas com fibromialgia poderão ser amparadas pelas políticas previstas na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), como cotas em concursos públicos e no mercado de trabalho, atendimento prioritário em serviços públicos, isenção de IPI na compra de veículos adaptados e acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), quando comprovada a vulnerabilidade social.
Para garantir esses direitos, cada paciente deverá passar por avaliação realizada por uma equipe multiprofissional, com base no modelo biopsicossocial da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), que considera não só o diagnóstico, mas os impactos funcionais da doença.
A dor que ninguém vê
A fibromialgia é uma síndrome que afeta cerca de 3% da população brasileira, segundo a Sociedade Brasileira de Reumatologia. Seus sintomas incluem dores musculares crônicas e generalizadas, fadiga intensa, distúrbios do sono, lapsos de memória, ansiedade, tontura e episódios depressivos. A maioria dos casos atinge mulheres, e os caminhos até o diagnóstico costumam ser longos e frustrantes.
Foi o que viveu Fabiane Gomes, de 50 anos, moradora de Aparecida de Goiânia (GO). Desde a infância, ela enfrenta dores constantes, mas só aos 17 anos recebeu o diagnóstico oficial. “Já me chamaram de preguiçosa, de louca. Só quem sente essa dor sabe o quanto ela consome”, diz. Fabiane vive em luta por reconhecimento: desde 2018 tenta, sem sucesso, conseguir um benefício por invalidez.
Nova lei traz respaldo legal
Com a lei federal, os direitos passam a valer em todo o país, evitando disparidades entre estados e municípios. O advogado trabalhista Luís Gustavo Nicoli aponta que o reconhecimento legal facilita o acesso a benefícios como aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e BPC, desde que haja laudos médicos que comprovem a limitação funcional.
Segundo ele, a medida pode ajudar também em situações trabalhistas, permitindo, por exemplo, solicitações de adaptação no ambiente de trabalho ou redução de jornada para pacientes com recomendações médicas. “Essa mudança amplia a compreensão institucional sobre as barreiras enfrentadas por quem vive com fibromialgia”, afirma.
Cuidar além do físico
Ainda que não exista cura, o tratamento multidisciplinar oferecido pelo SUS — que combina medicamentos, fisioterapia, psicoterapia e atividade física supervisionada — pode amenizar os sintomas e melhorar a qualidade de vida. Práticas como caminhadas leves, alongamentos, alimentação equilibrada e terapia cognitivo-comportamental são parte fundamental desse cuidado.
A psicóloga clínica Jéssica Prado destaca que a dor da fibromialgia vai além do físico. “O sofrimento contínuo pode afetar gravemente a autoestima, gerar isolamento social e contribuir para o desenvolvimento de transtornos emocionais”, alerta. Ela reforça a importância da escuta sensível e do suporte psicológico para o enfrentamento diário da condição.
Além dos atendimentos clínicos, muitas pessoas encontram força em grupos de apoio. É o caso de Fabiane, que participa de comunidades onde a empatia é regra. “É o único lugar onde ninguém duvida da minha dor”, diz.
Um passo rumo à empatia
Mais do que ampliar direitos, a nova lei representa um avanço civilizatório: o reconhecimento de uma dor que, embora invisível, é real e incapacitante. Para milhares de brasileiros, ela significa a chance de viver com dignidade, ser acolhido por políticas públicas e, acima de tudo, ser visto.
“Essa lei veio como um alívio. Mostra que alguém nos escutou. Que nossa dor importa”, afirma Fabiane. Que a partir de 2026, o Brasil aprenda a enxergar o que não se vê, e a validar a luta silenciosa de quem vive com fibromialgia todos os dias.