SANTOS, SP (FOLHAPRESS) – Causou um enorme frisson no mundo do tênis a aparição da americana Venus Williams, 45, no WTA 500 de Washington, nesta semana.
A lenda americana que havia jogado pela última vez no Miami Open de 2024, há exatos 16 meses, apontada como uma jogadora “inativa” pelo site da organização que cuida do tênis feminino, aumentou ainda mais o clima de comoção após vencer na estreia das duplas e, menos de 24 horas depois, bater a americana Peyton Stearns, atual número 35 do ranking.
Nem mesmo as derrotas nas fases seguintes abafaram o feito: “eu me diverti muito”, disse ela após a eliminação para a polonesa Magdalena Frech (25ª do mundo).
“Infelizmente, fiquei sem combustível hoje, me desculpem a demora [em voltar às quadras]. Sei que posso jogar melhor e jogarei”, afirmou, dando indícios de que deve estar no Cincinatti Open, torneio no qual recebeu um “wild card” convite concedido pela organização para um jogador participar mesmo sem qualificação.
Ex-número 1 do mundo de simples e duplas, sendo a primeira mulher negra a ocupar o posto na Era Aberta do tênis, dona de 49 títulos de simples, com sete Grand Slams, a mais velha das irmãs Williams pode fazer de seu retorno mais um marco na história do tênis.
Em julho 2023, durante a preparação para Wimbledon, questionada se seguiria os passos da irmã mais nova Serena anunciando a aposentadoria, ela surpreendeu dizendo que pretendia jogar até os 50: “Ninguém fez isso antes, então se alguém é capaz, sou eu”, disse à ocasião. A volta agora divide especialistas.
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CARREIRA DE VENUS WILLIAMS
– Melhor posição no ranking de simples: 1º
– Melhor posição no ranking de duplas: 1º
– Títulos em simples: 49
– Títulos de Grand Slam: 5 de Wimbledon (2000, 2001, 2005, 2007 e 2008) e 2 no US Open (2000 e 2001)
– Títulos nas duplas: 22
– Prêmio em dinheiro: US$ 42,6 milhões (R$ 238 milhões, na cotação atual)
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“Não considero um retorno porque ela simplesmente nunca parou. Deu um tempo para se recuperar de lesões, cirurgias e doenças. É visível que está em forma, forte fisicamente, super treinada. Vem para ficar no circuito. Ninguém joga o que ela jogou, bate uma 35 do mundo com potência e regularidade à toa. Ela vem investindo nesse retorno”, explica a ex-tenista Patrícia Medrado à Folha, brasileira com mais tempo no WTA e medalhista de prata no Pan de 1975.
“É uma autossuperação, envolve quebra de recordes, se provar, amor pelo esporte. Estamos falando de alguém que sempre foi ativista no tênis. Que pode, sim, ser bem-sucedida nos negócios, mas que quer ser protagonista no esporte”, completa.
Venus estreou como profissional há 31 anos, em Oakland, quando tinha somente 14 anos. Desde então, ficou marcada não só por títulos, mas por empreendedorismo e lutas dentro e fora de quadra. Defendeu com sucesso o pagamento igualitário de premiações para homens e mulheres, além de ter se lançado como empresária em diversos segmentos.
Apesar das recentes vitórias e do aceno com um recomeço, o caminho ainda é longo para igualar o recorde de Martina Navratilova, que venceu uma partida de simples da WTA aos 47 anos, em 2004, e jogou até os 49.
Do início de 2020 até o torneio em Washinghton eram apenas sete vitórias, além de seguidos problemas de saúde, como miomas uterinos que lhe causavam fortes dores. Desde 2011, convive com a síndrome de Sjogren, uma doença autoimune que causa excesso de fadiga e dores nas articulações.
“Minha jornada de saúde foi muito assustadora”, disse em entrevista coletiva um dia antes do torneio.
“Acredito que não vá longe. Serão aparições mais pontuais porque o tenista sente mesmo falta da rotina, mas ainda não vejo como uma volta definitiva. A vitória só mostra o tamanho dela para o esporte”, analisa a ex-tenista Andrea Vieira, a Dadá, primeira jogadora do Brasil a vencer uma das cinco melhores do mundo na Era Aberta.
“A forma como ela sai de quadra, com uma alegria genuína e olhos marejados, impactou muito a todos por se tratar de uma lenda do tênis. Em termos práticos, a vitória não significa nada para ela, mas falando de simbolismo é algo enorme. Ela não tem mais dinheiro a ganhar, mas ficou feliz por ter superado ela mesma, o próprio corpo que está limitado”, acrescenta Luís Stival, analista de desempenho de tênis profissional, responsável pelo canal de YouTube Tênis Além do Óbvio.
Antes da volta, jornais americanos colocavam em xeque e analistas criticavam a possibilidade de uma exposição desnecessária de uma supercampeã em quadra.
“Havia temor por um papelão. E ela não o fez, pelo contrário. Acho que que pode abrir um case de longevidade às mulheres, ser um estímulo no futuro, assim como há muitos casos entre os homens como Ken Rosewall e Jimmy Connors”, explica Ricardo Acioly, o Pardal, ex-técnico de Fernando Meligeni e do Brasil na Copa Davis.
Antigo rebatedor da americana Bethanie Mattek-Sands, ex-número 1 do mundo em duplas, o ex-tenista brasileiro Bruno Puzzi, que trabalhou como sparring de Serena em 1999, acredita que a americana viverá agora seu melhor momento após anos de sacrifício.
“Agora é o desafio só dela, é algo totalmente interior. Antes era para a mídia, para o patrocinador, para o Richard Williams (pai e mentor das jogadoras), mas agora é só para ela. E isso é libertador. Conhecendo de perto o jogo delas digo: dá para ganhar. Mas agora sem pressão”, afirma o atual coordenador técnico da escola Tennis Santos.
Venus deixou o torneio falando o óbvio: que nem ela mesma sabe o que ocorrerá no futuro distante. Que seja eterno enquanto dure.