BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) trabalha na elaboração de uma nova norma que vai exigir de empreendedores a elaboração de programa específico sobre mudanças climáticas para projetos de licenciamento federal.
O objetivo é garantir que, a partir dessa mudança, seja possível avaliar os impactos climáticos do empreendimento, os resultados de medidas de mitigação e o acompanhamento ao longo do tempo.
Uma instrução normativa está em elaboração dentro do órgão, que é ligado ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Segundo detalhes obtidos pela reportagem, as exigências serão dispostas em cinco eixos. A iniciativa ainda será submetida a audiência pública para colher sugestões antes da publicação final.
O tema do licenciamento ambiental converteu-se em crise para o governo Lula (PT) com a aprovação no Congresso da lei com novas regras sobre o tema e que, na visão consolidada de ambientalistas, enfraquece os mecanismos de proteção do ambiente.
Após o governo ter deixado a equipe da ministra Marina Silva (Meio Ambiente) praticamente isolada durante a tramitação do projeto no Congresso, o governo agora avalia até vetá-lo. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou na última segunda-feira (21) que o governo fará reuniões para discutir as alternativas a matéria aguarda decisão de Lula sobre sanção.
A efetividade dessas novas regras previstas agora pelo Ibama poderia ser afetada, em algum grau, pela nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Mas o texto do projeto de lei não entra em questões específicas sobre compromissos climáticos e a discussão está focada em ato infralegal.
O primeiro dos cinco eixos previsto no novo programa vai tratar de medidas de transparência relacionadas ao tema, como divulgação acessível e verificável sobre emissões de gases de efeito estufa. O segundo eixo, de monitoramento, trata da criação de indicadores para acompanhar o desempenho climático de cada projeto.
O plano de mitigação compõe o terceiro eixo e vai analisar a redução efetiva das emissões geradas pela operação. O Ibama quer que o empreendedor apresente metas quantitativas e ações específicas para evitar aumento de emissões.
No quarto eixo, será abordada a compensação, ou seja, medidas de neutralização de emissões que não puderem ser evitadas. Para isso, o órgão de licenciamento federal vai cobrar estratégias concretas, como investimentos em ações de reflorestamento, apoio a projetos ambientais ou mecanismos de compensação que sejam auditáveis.
Por fim, o quinto eixo é o da adaptação. Está relacionado à capacidade da empresa de preparar suas operações frente aos efeitos das mudanças climáticas. O instituto quer que o empreendedor avalie como os eventos climáticos extremos afetam o projeto e, a partir disso, que haja medidas para aumentar a sua resiliência, evitando situações de catástrofe.
“A iniciativa do Ibama é uma ótima notícia. Já passou da hora dos empreendimentos privados assumirem sua parte de responsabilidade pelos impactos climáticos que causam”, diz Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede formada por 133 organizações da sociedade civil brasileira.
Astrini ressalta, no entanto, que a efetividade e alcance da iniciativa depende do veto ao PL do licenciamento ambiental por parte de Lula. “O projeto enfraquece até mesmo a capacidade do Ibama de implementar esta boa medida.”
O processo de licenciamento ambiental passou a prever, nos últimos anos, uma série de medidas associadas aos impactos das mudanças climáticas, mas o entendimento no governo é de que isso ocorre de maneira fragmentada e sem uma política que transforme exigências e fiscalização em um procedimento formalizado.
Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), tem uma visão crítica sobre o assunto.
“Imprimir regras para produzir com mínimo impacto climático o elemento causador da mudança climática é exemplo suficiente do contrassenso em que vive hoje nossa civilização. Situações como esta demonstram que o licenciamento é faz de conta quando dissociado do planejamento ambiental estratégico do País”, diz o especialista.
Segundo Bocuhy, trata-se de fontes energéticas que já não dialogam com o futuro. “Editar novos termos de referência para empreendimentos, sem consulta específica à sociedade e à ciência, significa proporcionar meios genéricos para legitimar empreendimentos que seguem em construção mas que deveriam ser banidos ou descomissionados por seus malefícios ambientais, à exemplo de fontes de extração de petróleo e usinas termelétricas.”
Questionado pela reportagem, o Ibama afirma que a nova instrução normativa trará “maior transparência e previsibilidade para o tratamento do tema nos empreendimentos de competência federal”, ainda que o licenciamento ambiental “tenha possibilidade discricionária de estabelecer medidas de monitoramento e mitigação”.
O órgão argumenta que os impactos climáticos tornaram-se elemento fundamental na avaliação dos processos de licenciamento, sobretudo em empreendimentos intensivos em emissões de gases de efeito estufa.
O Ibama afirma, ainda, que estarão sujeitos às novas regras empreendimentos de competência federal, considerando as especificidades de cada projeto. O texto final, diz o órgão, encontra-se em etapa prévia à publicação de consulta pública e não há prazo para sua disponibilização.
Como a Folha de S.Paulo revelou, a Petrobras já tem sido cobrada pelo Ibama, de forma inédita, por esse tipo de exigência para a quarta etapa de exploração do pré-sal na Bacia de Santos um projeto de R$ 196,4 bilhões.
Trata-se do maior processo de licenciamento ambiental da história do país. No início deste mês, o Ibama negou pedido da petroleira para dar andamento à análise da licença prévia enquanto a companhia não apresenta um programa sobre ações contra as mudanças climáticas.
A avaliação é de que as ações de mitigação climática adotadas até hoje no pré-sal como a reinjeção de gás dentro do poço e a redução da queima não são mais suficientes frente à gravidade da crise climática.
A Petrobras, porém, negou-se a apresentar o plano e encaminhou ao Ibama informações sobre iniciativas já realizadas. A empresa afirma que não há regulamentação específica para esse tipo de exigência no licenciamento, o que criaria um tratamento desigual no setor.
O projeto da quarta etapa do pré-sal prevê a instalação de dez unidades localizadas em distância mínima de 178 km da costa do litoral de São Paulo e Rio de Janeiro. Funciona hoje como um “piloto” dentro das novas exigências que, agora, o Ibama quer regulamentar por meio de uma instrução normativa.
Em nota enviada à reportagem, a Petrobras afirmou que elabora atualmente uma resposta para atender às demandas do Ibama referentes ao programa sobre mudanças climáticas e que, quando pronta, será encaminhada para apreciação.