SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O lance de Thiago Soares, personagem real vivido por Matheus Abreu, era dançar hip hop nas ruas ou nas quadras, por vezes em campeonatos que vencia com facilidade.

Quando ele chega num grupo de dançarino e abria a multidão com os braços para se aproximar do centro da dança, lembra Tony Manero, personagem de John Travolta em “Os Embalos de Sábado à Noite”, 1977, de John Badham.

Mas não estamos no Brooklyn, na Nova York nos anos 1970. Estamos no subúrbio do Rio de Janeiro, nos anos 1990. A música não é a disco, mas o hip hop. A fuga não está nas oportunidades de Manhattan, do outro lado do rio, está no balé, de um outro lado do espectro artístico.

Por isso o título, “Um Lobo entre os Cisnes”, que dá tanto a ideia da maçã estragada como de um ser bruto que precisará se adequar à vida dos cisnes. Como se na periferia carioca só houvesse maçãs estragadas e não pudesse haver cisnes.

O filme é dirigido por Marcos Schechtman e Helena Varvaki. O primeiro tem experiência na televisão, sendo um dos diretores da minissérie global “A Casa das Sete Mulheres”. A segunda é estreante na direção.

A cinebiografia do celebrado bailarino Thiago Soares foi exibida pela primeira vez no último Cine Ceará, em novembro do ano passado. É filmado com alguma competência, fundado em espelhamentos e oposições.

O lobo Thiago sente atração por uma bailarina chamada Germana, interpretada por Giullia Serradas, enquanto ela ensaia “O Lago dos Cisnes”. Começa o choque entre opostos. O malando da periferia vai se meter no mundo dos ricos. E vai vencer, como sua vida real nos mostrou.

O famoso balé de Tchaikóvski será então sua entrada num outro tipo de dança, tão visceral e exigente do corpo e do equilíbrio quanto o hip hop. Mas em oposição às ruas e quadras, ele terá de brilhar em imponentes teatros.

Thiago só tinha começado a frequentar a escola porque seu padrinho artístico conseguiu uma bolsa. Mas ele precisa lidar com seus preconceitos.

Vindo de um ambiente homofóbico, ele tende a achar o balé algo muito distante de sua masculinidade.

Sabemos que a vergonha dará lugar ao prazer e ao amor à arte. Na realidade, Thiago vai se tornar um dos bailarinos mais respeitados do mundo, fazendo muito sucesso a partir de Londres e dirigindo o Ballet de Monterrey, no México. O filme mostra o momento anterior, da transformação.

Resta saber que preço Thiago deve pagar pela arrogância e irresponsabilidade iniciais e o que exigirá de paciência e convencimento daqueles que o querem ajudar. E resta saber também como Matheus Abreu dará conta do personagem.

Nesse quesito, já vale dizer que ele se dá bem, apesar da afetação heterossexual. Espelhando o potencial evidente de seu personagem, dá para perceber que ele se livra com facilidade de ser apenas o novo Cauã Reymond.

Não é fácil para Thiago. Tudo é distante de seu mundo. Um moço pobre numa escola de dança localizada num palacete clássico, com cortinas brancas esvoaçantes ecoando cinema publicitário dos anos 1990.

No longa há lições de moral e ensinamentos que lembram “Karatê Kid” -e até um pé machucado na jogada, além de momentos equivalentes ao “mostre pintar cerca”, “mostre encerar o carro”.

O protagonista é um brasileiro de periferia, ou seja, muito brasileiro, recebendo ajuda de uma portuguesa, Margarida Vila-Nova, e um cubano, papel do argentino Dario Grandinetti –poucas vezes a escalação de atores de outras nacionalidades foi tão bem justificada.

Tem mais: é um mulherengo numa arte normalmente associada a homossexuais. Impossibilitado de seduzir as mulheres à sua volta, parece inicialmente querer reforçar a pose de durão, chegando até à insubordinação. Tudo para justificar a sua condição de macho.

Às vezes o filme exagera nessa necessidade de reforçá-lo como um bailarino heterossexual. Mesmo com frases como “desde quando veado tem cara?” em personagens que ele encontra, a necessidade de afirmação hétero parece colocar um freio nas possibilidades da trama, como se de fato importasse a sexualidade de um bailarino para além da simples fofoca.

Também é meio óbvio que o instrutor cubano tenha a mesma teimosia na falta de cuidado com o corpo e a saúde que seu pupilo, fazendo com que ele se enxergue num espelho.

Mas esse espelho por vezes reflete imagens interessantes e quando associa a vida de um à possibilidade de sucesso do outro estamos num terreno fértil para um drama de superação de grande alcance com o público.

Um Lobo Entre os Cisnes

Onde: Nos cinemas

Classificação: 16 anos

Elenco: Matheus Abreu, Dario Grandinetti, Margarida Vila-Nova

Produção: Brasil, 2024

Direção: Marcos Schechtman e Helena Varvaki

Avaliação: *Bom*