BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – As ruas da cidade de Lanús se coloriram em clima de celebração; torcedores chegavam em dezenas de ônibus, abraçando-se e revivendo uma experiência familiar, depois de uma longa espera. Após ter trocado cânticos e provocações, o público, então, explodiu em aplausos, quando Ángel Di María entrou em campo.
Por 12 anos, os torcedores argentinos não puderam compartilhar o estádio com seus adversários nos jogos da primeira divisão. A presença de visitantes foi proibida em 2013, após a morte de um torcedor em um confronto com a polícia.
No último dia 19, a AFA (a associação de futebol do país) deu início a uma fase de testes, reagindo a uma demanda antiga de clubes e sócios: que os estádios de futebol tenham torcedores de ambas as equipes novamente.
O presidente da entidade, Claudio “Chiqui” Tapia, anunciou o retorno dos visitantes, dizendo que a medida estabelecia “um antes e um depois” no futebol argentino. Além da partida no estádio do Lanús –que terminou com um gol de Di María pelo Rosario Central–, um jogo com visitantes do torneio Clausura ocorreu em Córdoba.
“É o começo para que os clubes que estejam em condições e queiram receber o público visitante possam fazer isso. Temos muito trabalho pela frente”, disse o presidente da AFA. “É um dia pelo qual esperávamos.”
Os torneios Apertura e Clausura são as duas competições em que é dividido o campeonato da primeira divisão argentina, cada um deles em um semestre do ano. O Apertura 2025 foi vencido pelo Platense.
O próximo jogo do Clausura com duas torcidas será no dia 9 de agosto, quando o Atlético Tucumán enfrentará o Rosario Central. A AFA disse que forças de segurança já foram convocadas para reforçar o monitoramento no estádio do norte do país.
A decisão da volta dos visitantes foi influenciada pelo retorno de Ángel Di María à liga argentina, segundo Tapia, atendendo a pedidos dos clubes para que os fãs que torcem para outros times possam ver o ídolo da seleção que ganhou a Copa de 2022. “Fãs de outras equipes querem ver Di María, que é o jogador que marcou os gols mais importantes nas últimas conquistas da nossa seleção”, disse ele.
A medida ainda não vai valer para os estádios da cidade de Buenos Aires, pelo menos até o ano que vem. Apesar de uma reunião da AFA com as autoridades portenhas, não foi possível chegar a um acordo com os times da capital.
Boca Juniors e River Plate não quiseram ceder parte dos ingressos para outros torcedores, alegando que as entradas para sócios já estão vendidas até o fim da temporada. Outros estádios, como o do Huracán, foram reformados para torcida única e não têm divisórias.
A AFA impôs a proibição em 2013, após a morte de um torcedor durante uma partida de primeira divisão entre Estudiantes e Lanús. Embora a liga local tenha essa proibição, as partidas da Copa Argentina em estádios neutros ainda contêm torcedores de ambos os times. Os clubes precisam pedir permissão para receber torcedores rivais e são responsáveis pelo comportamento deles.
O sociólogo argentino Diego Murzi, pesquisador do Conicet e da escola Idaes (Universidade de San Martín) ponderou que em jogos disputados no interior do país a torcida visitante já ia aos estádios de forma velada, misturada aos demais torcedores. Segundo ele, diferentes fatores explicam a decisão da AFA de fazer o retorno oficial.
“Há uma clara profissionalização dos sistemas de segurança dos estádios. A violência é um problema global, mas a Argentina é um dos países com mais registros de mortes. E a maioria dos casos ficou impune porque ninguém sabia, não havia dados, ninguém falava sobre isso”, afirmou Murzi.
Para ele, há um certo consenso de que os estádios ficaram mais pacíficos depois da pandemia de Covid-19, em parte pelo conflito com torcedores visitantes não existir, em parte porque o perfil do público em eventos de massa também vem mudando.
“Sem torcedores rivais, muitos barras bravas [a parte mais violenta das torcidas organizadas] mantêm seus negócios nos estádios sem a necessidade de recorrer à violência física. O que vejo é que o futebol na Argentina gera sua própria violência, não apenas de grupos de torcedores organizados e não apenas a violência física.”
A proibição dos visitantes afetou a participação do público. Para se ter uma ideia, a lotação dos estádios no torneio inicial do Campeonato Argentino de 2012 era de 8,332 milhões e passou, no torneio de 2014, para 3,847 milhões de espectadores no total, uma queda de 54%, segundo dados do site especializado Worldfootball.
“Há também uma questão política. ‘Chiqui’ Tapia nunca declarou interesse pela política partidária, mas sempre flerta um pouco com isso, e o retorno dos visitantes adiciona capital político a ele”, disse Murzi, que é especialista em estudos sociais do esporte e autor do livro “Fútbol, Violencia y Estado”.
A logística de segurança e a ocorrência de múltiplos jogos na mesma cidade representam desafios, dificultando a adoção ampla dessa nova medida. O governo nacional e a AFA se dizem otimistas sobre esse retorno, afirmando que ele trará uma nova atmosfera ao futebol e que a segurança será prioridade, com ingressos nominais e rigorosos controles.