WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Sob cerco e bombardeios de Israel, a Faixa de Gaza vive hoje uma crise sem precedentes de fome e desnutrição. A situação aflige um território onde vivem mais de 2 milhões de pessoas e de onde agora chegam diariamente fotografias de crianças esquálidas lutando para receber água e comida.

“Estamos ficando sem vocabulário para descrever os horrores que as crianças estão enfrentando”, afirma Ricardo Pires, porta-voz do Unicef, a agência da ONU para a infância. “Os números são inacreditáveis, e nos contam uma história macabra sobre este período da humanidade.”

A situação humanitária afeta ao menos sete crianças brasileiras que vivem em Gaza. Sua mãe, Umm Abdo, 42, enviou à reportagem fotografias de uma delas, de 6 anos, com sinais de desnutrição. A reportagem comparou as imagens com registros anteriores dessa mesma criança.

Nascida em Santa Catarina, Umm Abdo se converteu ao islã e se mudou para Gaza em 2005. Casou-se com o filho de um dos fundadores do Hamas, razão pela qual não revela o nome verdadeiro. Diz que corre risco de retaliação.

Umm Abdo significa, em árabe, “a mãe do Abdo”, em referência ao seu primogênito. É uma maneira comum de se referir às pessoas nessa região. Foi com esse nome que ela se apresentou em 2014, quando a reportagem a visitou em Gaza pela primeira vez.

Os sete filhos, que nasceram em Gaza, vivem com o pai, que não permite que saiam do território palestino. Umm Abdo tenta há anos ter a guarda.

Quando falou com a reportagem, a brasileira disse que planejava buscar comida em um dos poucos pontos de distribuição que ainda funcionam. No dia seguinte, explicou que havia desistido ao se aproximar e ouvir disparos. Mais de 800 palestinos foram mortos nas últimas semanas tentando obter alimentos, a maior parte devido aos tiros de soldados israelenses.

A ONU diz que um terço das pessoas em Gaza passa mais de um dia sem comer. Dados de junho sugerem também que a população consome em média 1.400 calorias por dia, ou seja, apenas 67% do recomendado.

Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, 40 pessoas morreram de fome neste mês, elevando o total desde o início do conflito a 122 óbitos —mais de 80 seriam crianças.

As imagens de crianças com as costelas visíveis têm causado crescente comoção na comunidade internacional e devem aumentar a pressão por uma solução política. Recentemente, por exemplo, um grupo de mais de cem organizações humanitárias, como a Oxfam e os Médicos Sem Fronteiras, cobraram medidas para o fim da fome.

Várias dessas organizações acusam Israel de impedir de maneira sistemática a entrada da ajuda humanitária em Gaza. Já Israel afirma que o problema é o gargalo nas operações das agências. Tel Aviv culpa ainda o Hamas, cujo ataque terrorista matou 1.200 israelenses em 7 de outubro de 2023. Israel matou mais de 59 mil palestinos desde o início da crise, ainda na contagem das autoridades da facção.

Pires, do Unicef, descreve o esquema de distribuição de ajuda como uma “armadilha mortal”. Organizações humanitárias contavam antes com cerca de 400 pontos de distribuição de suprimentos. Hoje, existem apenas 4 em funcionamento. “Pessoas desesperadas, famintas e traumatizadas são forçadas a caminhar por quilômetros para buscar um saco de farinha”, diz o porta-voz.

Ele também critica o fato de que o sistema está hoje a cargo de uma entidade chamada Fundação Humanitária de Gaza. Trata-se de um controverso grupo americano com apoio de Israel cuja atividade foi marcada, nas últimas semanas, por episódios de violência e denúncias de conluio político.

Organizações humanitárias pedem um cessar-fogo entre Israel e Hamas e uma reabertura imediata dos corredores para a distribuição de suprimentos. Até porque a comida está do outro lado da fronteira, a poucos quilômetros. “Precisamos que as armas se silenciem”, diz Pires.

Zoe Daniels, diretora do International Rescue Committee para os territórios palestinos, faz um apelo afim: “Comida, água limpa, combustível e outros bens essenciais que podem salvar vidas precisam chegar até as 2 milhões de pessoas que passam necessidade em Gaza.”

A entrada de ajuda humanitária, no entanto, resolveria apenas a crise mais imediata. A fome deve reverberar por anos nos estômagos de Gaza, dado que esse nível de desnutrição têm efeitos conhecidos de médio e longo prazo. “Pode haver dano irreversível no desenvolvimento físico e cognitivo, em especial entre as crianças mais jovens”, afirma Daniels. Isso inclui a redução do crescimento e a debilitação do sistema imunológico. Há necessidade também de acompanhamento psicológico.

A fome tem, ainda, um impacto social. “Toda uma geração vai crescer traumatizada, desnutrida e sem oportunidades em Gaza”, diz. Os bombardeios israelenses devastaram toda a infraestrutura desse território palestino —destruindo escolas, universidades, hospitais e saneamento.

É por esse grau de destruição que, nos últimos anos, os palestinos têm acusado Israel de cometer um genocídio em Gaza. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já usou o mesmo termo para se referir aos ataques israelenses. Israel, por sua vez, nega as acusações.

No meio-tempo, outros líderes internacionais têm endurecido o discurso contra Israel. Em uma medida de grande peso simbólico, o presidente da França, Emmanuel Macron, anunciou sua decisão de reconhecer o Estado Palestino. É esperado que outros europeus sigam o exemplo. No comunicado, Macron citou a necessidade urgente de auxílio humanitário.