SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Há 50 anos vendendo discos e instrumentos musicais no centro histórico de São Paulo, o comerciário Homero França, 74, não sente saudade das placas publicitárias encobrindo fachadas nos arredores do palacete centenário que abriga a loja onde ele trabalha.
“Voltar ao que era seria um retrocesso”, diz o vendedor, atento à discussão de um projeto aprovado em primeira votação na Câmara cuja proposta é permitir a instalação de grandes expositores eletrônicos na capital paulista.
Considerada um marco por urbanistas, internacionalmente premiada e elogiada por moradores avessos à possibilidade de que empenas de prédios voltem a ser estampadas com imagens de refrigerante ou de modelos trajando roupa íntima, a Lei Cidade Limpa completará 20 anos em setembro de 2026.
Apesar de longeva, poucas vezes a legislação sofreu tamanha pressão por mudanças. Existe um contexto empresarial e de inovação tecnológica para isso.
Camaleônicos painéis e conjuntos de drones com lâmpadas de LED viabilizam a custos cada vez mais baixos a exposição de infinitas marcas de produtos e serviços em espaços públicos.
Possibilidades que levam o setor de propagandas pensadas para impactar consumidores fora de casa, conhecido pela sigla em inglês OOH (out of home), a apresentar demandas que nem sequer existiam na época da implantação da lei.
Uma onda de pedidos que tem desembocado com mais força recentemente na CPPU (Comissão de Proteção à Paisagem Urbana), conta a presidente do órgão Regina Monteiro. “Empresários chegam aqui aos montes, fazem um monte de pedidos, e a gente vai estudando, vendo o que a cidade pode fazer”, diz.
Arquiteta da prefeitura e apelidada de mãe da Cidade Limpa devido ao seu papel na autoria da lei durante a gestão do então prefeito Gilberto Kassab (PSD), Regina afirma que São Paulo não precisa de uma “Times Square” como a iluminada praça de Nova York.
Ela argumenta que a cidade tem avançado em aprimorar mecanismos de exceção que já fazem função semelhante e cita como exemplo o painel curvo de 90 metros quadrados na esquina das ruas Boa Vista e João Brícola, no centro da cidade.
Custeado pelo banco proprietário do turístico edifício Altino Arantes, o telão se encaixa na permissão para intervenções artísticas. “É arte digital com, no máximo, um código remetendo à programação do Farol Santander”, diz.
Neste momento, a comissão ligada à Secretaria de Urbanismo da gestão Ricardo Nunes (MDB) ainda debate a instalação de uma tela com publicidade durante restauro do tombado edifício do Banco do Brasil, na praça Antônio Prado. Também analisa dois termos de cooperação, sendo um com a concessionária do aeroporto de Congonhas para a manutenção de uma passarela tombada, e outro para intervenções de caráter social nos arredores da avenida São João.
Termos de cooperação como os avaliados pela CPPU são utilizados para liberar publicidade em espaços específicos e com contrapartidas urbanísticas, como ocorreu com a substituição do letreiro do estádio Cícero Pompeu de Toledo. A fachada exibirá a placa “MorumBis” ao custo de R$ 75 milhões por três anos, pagos por uma fabricante de chocolates ao São Paulo Futebol Clube. Para tanto, a empresa deverá custear melhorias no trânsito do entorno.
Esse renovado segmento de anúncios, porém, ressuscita discussões sobre geração de empregos, ganhos econômicos e crescimento da arrecadação municipal. Temas que remetem aos primórdios da Lei Cidade Limpa.
O mosaico de placas e cartazes desapareceu da capital paulista em 2008, quando a Justiça confirmou o direito da prefeitura de praticamente eliminar a publicidade nas ruas e limitar o tamanho dos letreiros do comércio.
Na época, representantes do mercado publicitário alegavam justamente que haveria prejuízo econômico. Defensores da mudança, porém, apontavam que a regulação iria supervalorizar os únicos espaços em que a publicidade estaria liberada os abrigos dos pontos de ônibus e relógios de rua.
Outorgas pagas por expositores nesse mobiliário urbano renderam aos cofres municipais R$ 216 milhões de 2013 e 2025 período em que a prefeitura disponibiliza os dados.
Se por um lado o valor parece baixo comparado ao de contratos particulares do segmento, como o do estádio do São Paulo, por outro, ele pode não refletir o real ganho do município com outras benfeitorias que resultam da lei, aponta Andrea Weiss, que é diretora da Associação Brasileira de Mídia Out Of Home.
No começo também éramos contra, mas hoje percebemos que foi um ganho
Presidente da Associação Comercial de São Paulo
Ela também afirma que o setor se adaptou ao longo do tempo a outros meios, como a publicidade no transporte e em shoppings, entre outros. “A legislação trouxe muitos ganhos para o nosso meio”, avalia a executiva.
É o que também pensa a entidade que representa os comerciantes paulistanos. “No começo também éramos contra, mas hoje percebemos que foi um ganho”, diz Roberto Ordine, presidente da Associação Comercial de São Paulo.
Partem do ex-prefeito Kassab algumas das críticas mais duras quanto a eventuais mudanças na lei. “É uma discussão feita por pessoas mais jovens e que desconhecem a história da cidade e aquele cenário caótico que existia”, diz ele, hoje secretário estadual no governo Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Autor do projeto para reinserir a publicidade, o vereador Rubinho Nunes (União), 37, argumenta que sua proposta, que atualmente passa por revisão antes de ser novamente apresentada para uma segunda e definitiva votação, nada tem a ver com a possibilidade de devolver o caos visual às ruas da cidade.
Em vez disso, ele afirma que as novas tecnologias permitiriam concentrar em um único ponto, especificamente na região da emblemática esquina das avenidas Ipiranga com São João, a criação da Times Square paulistana. A intenção, diz Rubinho, é colaborar com iniciativas de revitalização do local.
Kassab pode estar certo, porém, quanto ao afastamento de paulistanos mais jovens da defesa da vista livre para a arquitetura da cidade.
Na mesma rua Direita onde trabalhadores antigos celebram a paisagem sem placas, a auxiliar de cobrança Thainá Costa, 30, disse jamais ter ouvido falar da lei que regula a publicidade em locais públicos. Ela também revelou gostar da ideia de mais painéis luminosos no caminho dela. “Deixariam a rua mais viva do que só esses prédios.”