SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A aposta em apartamentos compactos voltados à locação de curta temporada, que ganhou força nos últimos anos em São Paulo, começa a perder fôlego com a entrada em vigor das novas regras da prefeitura para o setor imobiliário.
Proprietários de imóveis destinados à moradia popular deverão se adequar, pois não poderão mais operar no modelo “short stay” -apenas locação tradicional e dentro dos valores estipulados pelo programa.
Adquiridas por investidores com foco em plataformas como Airbnb, as unidades de até 40 m² foram impulsionadas pelo retorno mais alto em comparação ao aluguel residencial convencional.
A rentabilidade, segundo administradoras do setor, chegava a superar em 50% a obtida com contratos de locação tradicionais. O modelo “short stay” também servia como porta de entrada no mercado imobiliário para pequenos investidores, com tíquetes médios abaixo de R$ 400 mil.
Esse ciclo começa a mudar com a recente medida do governo municipal, que proibiu locações por temporada em imóveis classificados como HIS (Habitação de Interesse Social) e HMP (Habitação de Mercado Popular). São unidades vendidas por até R$ 266 mil, direcionadas para famílias com renda de até três salários mínimos (HIS-1), por até R$ 369 mil para famílias com renda de até seis salários mínimos (HIS-2), e por até R$ 518 mil para famílias que ganham entre seis e dez salários mínimos (HMP).
A decisão –em vigor desde 30 de maio– visa assegurar que essas moradias populares sejam de fato habitadas por famílias de baixa renda, combatendo o desvio de finalidade e a fraude habitacional.
O decreto determina que quem alugar o apartamento a quem não se enquadra no público-alvo pode ser obrigado a pagar o valor equivalente ao incentivo fiscal recebido para a construção do imóvel, impostos e outros encargos, além de uma multa no dobro desse valor. A empresa responsável pelo empreendimento também está sujeita às punições.
A Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) informou ter aplicado mais de R$ 31 milhões em multas a empresas por não cumprimento das regras de venda desses imóveis.
O Airbnb argumenta que o aluguel por temporada é legal no Brasil, regulado pela Lei do Inquilinato (lei nº 8.245/1991), mas a prefeitura reforça a necessidade de uso responsável e em conformidade com as políticas de moradia social.
NOVAS REGRAS AFETAM FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO
Para o mercado de FIIs (Fundos de Investimento Imobiliário), o decreto representa um risco, especialmente para aqueles com exposição a imóveis classificados nessas faixas e com estratégia voltada para a curta duração.
Especialistas como Felipe Ribeiro, gestor da Rio Bravo Investimentos, e Pedro Ros, CEO da Referência Capital, dizem que a alteração afeta diretamente a geração de receita e pode levar à reavaliação de portfólios e eventual reprecificação de cotas no mercado secundário.
“O fundamento de geração de receita desses ativos fica diretamente afetado por uma mudança regulatória. Por outro lado, é importante contextualizar: a maioria dos fundos listados que investem em imóveis compactos de curta duração está concentrada em unidades fora dessas faixas, o que mitiga o impacto setorial mais amplo”, afirma Ribeiro.
Para Ribeiro, há alguns fundos com exposição a imóveis compactos em São Paulo, mas a representatividade de ativos enquadrados como HIS ou HMP dentro das carteiras é baixa. “O mercado ainda carece de um levantamento preciso e é provável que cada gestor traga essa sinalização nas próximas cartas aos cotistas, caso o impacto seja material”, diz.
André Sawaya, da AZ Quest, avalia que a exposição de FIIs ao aluguel de curta temporada em unidades populares é residual. Segundo ele, a nova regra pode até ampliar a participação de investidores institucionais à medida que a regulação define com mais clareza os usos permitidos e restringe fraudes.
MERCADO SE ADAPTA, DIZEM EMPRESAS
As alternativas, afirmam os especialistas, passam pela migração para locações de longo prazo –com menor retorno– ou alienação dos ativos. Para unidades fora das faixas HIS e HMP, o apelo do “short stay” permanece, mas sob maior vigilância regulatória. Já a busca por empreendimentos bem localizados, próximos à infraestrutura de transporte, permanece estratégica.
Para Rafael Rossi, CEO da Conviva, empresa de gestão de propriedades focada em locação por curta temporada, o mercado se ajusta. “Muda o produto, paga menos no terreno etc. Não vejo queda na demanda de investidores, que continuarão buscando estúdios fora do programa social”, afirma.
Segundo Rossi, a Conviva tem menos de 5% de seu portfólio em São Paulo em empreendimentos com classificação HIS ou HMP.
A Housi, que atua com modelo de moradia flexível, adaptou sua estratégia. À Folha a empresa afirma que criou uma área especializada para intermediar locações tradicionais de unidades enquadradas nas faixas sociais, com foco em famílias que atendam aos critérios dos programas da prefeitura.
Procuradas, as incorporadoras que atuam em parceria com as plataformas de “short stay” não quiseram comentar a decisão da Prefeitura de São Paulo.
A Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias) diz que acompanha com atenção as recentes alterações promovidas pela prefeitura de São Paulo e está à disposição para “contribuir com sugestões” que “assegurem a efetividade das políticas habitacionais sem comprometer a estabilidade do ambiente de negócios e os investimentos realizados.”
A regulamentação paulistana segue um movimento visto em grandes cidades, com pressão sobre a habitação. Nos EUA, políticas de controle de aluguel são mais restritivas que o decreto em São Paulo. Em Barcelona, cerca de 66 mil anúncios foram excluídos de plataformas digitais a pedido do governo local.
No Brasil, a validade de locações por temporada em condomínios residenciais ainda aguarda definição no STJ (Superior Tribunal de Justiça). Rodrigo Karpat, presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB-SP, diz que, enquanto não há uma norma definitiva sobre locações de curta temporada, cabe aos condomínios atualizarem suas convenções para estabelecer regras claras, garantindo previsibilidade e segurança jurídica.