SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O tenente da Polícia Militar Alan Wallace Dos Santos Moreira, 25, que matou um morador de rua desarmado e rendido com tiros de fuzil no centro de São Paulo, disse a policiais civis que a câmera corporal estava descarregada.
A informação consta no na conclusão de um documento da PM classificado como reservado e no boletim de ocorrência elaborado pelo DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa) na madrugada do dia 14 de junho, horas depois da morte de Jeferson Souza.
Ele foi baleado na noite de sexta-feira (13) na rua da Figueira, no Brás. Naquela noite o tenente estava na companhia do soldado Danilo Gehrinh, 23. Ambos fazem parte da Força Tática do 7° Batalhão.
“Durante a ação, a equipe usou câmeras corporais, a cujos registros não tivemos acesso no plantão. Contudo, o 1º Ten. Alan Santos disse que sua câmera estava descarregada nesse momento”, diz trecho do documento.
A ação foi gravada pela câmera de Gehrinh. Com base nas imagens, analisadas posteriormente pela PM, os dois foram presos na terça-feira (22). Na versão dos agentes, depois desmentida pela gravação, Souza teria tentando tomar a arma do soldado e por isso foi atingido pelos tiros.
Souza, conforme imagens da câmera corporal de Gehrinh, não esboçou qualquer reação ao ser abordado.
A defesa do tenente disse, em nota, que “a ação policial decorreu de legítima defesa e buscaremos demonstrar isso ao Tribunal do Júri”. Já a defesa do soldado, também por meio de nota, afirmou que, por ora, não pretende se manifestar, uma vez que não teve acesso aos autos em sua totalidade.
Esse é mais um exemplo da dificuldade em que delegados e investigadores têm em acessar imagens registradas pelos equipamentos usados por PMs em serviço. Tal situação atrasa as investigações, segundo policiais civis ouvidos pela Folha.
A reportagem procurou a SSP (Secretaria da Segurança Pública) nesta sexta-feira (25) e questionou se o equipamento de Moreira estava de fato inoperante ou se o policial mentiu para os investigadores.
A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) respondeu que a Polícia Militar adotou todas as providências cabíveis assim que teve ciência da ocorrência, mas não deixou claro o que de fato ocorreu.
“Após analisar as imagens registradas por uma das Câmeras Operacionais Portáteis (COPs), a corporação instaurou imediatamente um Inquérito Policial Militar (IPM), afastou os policiais envolvidos de suas funções operacionais e representou à Justiça pela prisão preventiva dos agentes, que foi decretada e cumprida na última terça-feira (22)”, afirmou.
Ainda de acordo com pasta, a utilização das COPs na ocorrência é apurada pela instituição. “Todos os equipamentos usados no 7º BPM/M foram substituídos recentemente, por modelos com mais autonomia e capacidade de bateria, além de novas funcionalidades.”
De acordo com os policiais civis, buscou-se confirmar ou refutar a versão dos agentes por meio de câmeras de monitoramento e testemunhas, mas sem sucesso naquela madrugada. Segundo escreveu o delegado Guilherme De Souza Rabello, não foi “possível formar uma convicção sobre a dinâmica exata dos fatos”.
Diante da situação, e antes de a gravação da câmera de Gehrinh vir à tona, ficou registrado no boletim de ocorrência que a morte ocorreu por “resistência seguida de homicídio decorrente de oposição a intervenção policial”.
No local do crime foram encontrados e apreendidos um chinelo, um boné e três estojos balísticos de fuzil.
O Ministério Público afirmou que os policiais agiram “por mero sadismo e de modo a revelar absoluto desprezo pelo ser humano”.
“É certo que os denunciados Alan Wallace e Danilo, policiais militares no exercício de suas funções, agiram impelidos por motivo torpe, deliberando matar o suspeito por mero sadismo e de modo a revelar absoluto desprezo pelo ser humano e pela condição da vítima, pessoa em situação de vulnerabilidade social”, escreveu o promotor Enzo de Almeida Carrara Boncompagni, ao oferecer denúncia na Justiça comum contra os policiais, na segunda-feira (21).
O promotor afirmou ainda que o assassinato foi cometido com emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, a qual já estava rendida e subjugada pelos PMs quando foi baleada de forma repentina.
O homicídio levou a dupla a ser presa quando estava na sede do 7° BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano), mais de um mês após a ocorrência.
Antes, o Tribunal de Justiça Militar havia negado um pedido de prisão feito pela Polícia Militar. A corte declinou da competência e entendeu que o caso é uma atribuição da Justiça comum. Na esfera militar, os PMs são investigados sob suspeita de fraude processual e falsidade ideológica.
Em sua denúncia, a partir da qual a Justiça determinou a prisão dos dois policiais, o promotor disse ser “inegável a periculosidade social dos denunciados, evidenciada pelas circunstâncias que envolveram a execução sumária da vítima, conforme reconhecido pelos próprios órgãos censores da Polícia Militar”.
Para Boncompagi, as prisões, além de garantir a ordem pública, podem inibir o recrudescimento da letalidade policial e resguardar a própria credibilidade do sistema de justiça criminal.
O promotor relembrou os assassinatos do marceneiro Guilherme Dias Santos Ferreira, 26, atingido com um tiro disparado por um PM de folga no último dia 5, em Parelheiros; de Igor Oliveira de Moraes Santos, 24, em Paraisópolis, quando já estava rendido por PMs; e do homem arremessado de uma ponte por um soldado no ano passado em Cidade Ademar, todos os casos na zona sul