SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Eu entendi tudo o que aconteceu com o clube”, afirmou o técnico Dorival Júnior, após o empate por 0 a 0 do Corinthians com o Cruzeiro, na última quarta-feira (23), no estádio de Itaquera. “Teve a saída de um presidente, a chegada de outro presidente, que não havia ainda conversado comigo…”

Logo, ao que tudo indica, haverá outro.

Os sócios do clube votarão no próximo dia 9 o impedimento de Augusto Melo. Ele foi retirado da presidência em votação do Conselho Deliberativo, em 26 de maio, por 176 votos a 57, decisão que precisa ser referendada pelos associados, em assembleia geral.

Augusto nega as irregularidades apontadas para justificar seu afastamento -e fizeram dele réu, denunciado sob suspeita de associação criminosa, lavagem de dinheiro e furto no contrato de patrocínio com a empresa de apostas VaideBet. Ele promete “lutar até o fim” para recuperar sua cadeira -chegou a tentar, literalmente, sentar-se nela, dias depois da votação do Conselho-, mas o impeachment é dado como certo nas alamedas do Parque São Jorge.

O Corinthians, por isso, vive um ambiente de ebulição pré-eleitoral. O estatuto da agremiação prevê que, havendo vacância dos cargos de presidente e vice-presidente, o Conselho Deliberativo tem cinco dias úteis para eleger uma nova diretoria para um mandato tampão -no caso, até o fim de 2026, quando terminaria o mandato de Augusto.

A votação, confirmado o impeachment, será feita de maneira indireta, pelos 299 membros do Conselho (200 trienais, 99 vitalícios). Isso torna o período de campanha diferente do que é habitualmente visto no clube às vésperas de eleições presidenciais ordinárias, que têm votação dos sócios. Em um grupo tão restrito de eleitores, “é tudo no corpo a corpo”, como observou um dos 299 conselheiros.

O cenário é volátil. Em uma entidade na qual os conceitos de situação e oposição são bastante flexíveis, não está claro o desenho de quais serão os candidatos no caso de o impedimento de Augusto ser confirmado no mês que vem.

Ainda é grande a influência de Andrés Sanchez, presidente de 2007 a 2011 e de 2018 a 2020, líder do grupo que comandou o Corinthians por 16 anos. Mas esse grupo é hoje altamente impopular. Ligar-se a ele pode render capital político e problemas.

Ilustra bem a questão o protesto realizado por torcidas organizadas na última quinta (24), no portão do Parque São Jorge. Havia um caixão alegórico para Augusto Melo e outros quatro para os presidentes do grupo de Andrés, intitulado Renovação e Transparência: o próprio Andrés, Mario Gobbi, Roberto de Andrade e Duilio Monteiro Alves.

Não surpreende, portanto, que a corrida eleitoral tenha como centro o Renovação e Transparência. De um jeito ou de outro, os caminhos do Parque passam por Andrés.

Por isso, enquanto andava na Justiça o caso VaideBet, brotavam notícias sobre o período anterior a Augusto Melo -que, na virada de 2023 para 2024, derrubou o Renovação e Transparência, em fácil triunfo sobre o candidato André Luiz de Oliveira, o André Negão. Vieram à tona gastos de Andrés e Duilio no cartão corporativo do clube, levados ao Conselho de Ética.

Andrés disse ter se confundido ao usar o cartão com gastos pessoais. “Assumo meus compromissos, resolvo os meus problemas e não terceirizo responsabilidades”, publicou, antes de devolver R$ 15 mil, referentes a hospedagem, refeições e passeio de barco, em um período no qual estava licenciado da presidência, em 2020.

Surgiram também notas fiscais do período em que Duilio era o presidente, de 2021 a 2023. Reportagem do GE exibiu uma lista de gastos no cartão do clube que incluíam a compra de remédios para disfunção erétil.

Duilio negou gastos indevidos, disse que as notas são falsas e apresentou uma notícia-crime. De qualquer maneira, é ilustrativo o fato de a corrida eleitoral alvinegra ter tadalafila entre seus ingredientes.

Enquanto o clube luta para erguer-se, o time sofre. O atual presidente, o interino Osmar Stabile, era até o afastamento de Augusto uma figura decorativa, um vice-presidente que cumpriu seu papel eleitoral antes de ser escanteado.

“Nós, os vice-presidentes estávamos afastados da gestão. Não fomos chamados para nada. Não tivemos a oportunidade de conhecer a situação do Corinthians”, disse Stabile, em maio, já como presidente, percebendo que não havia nada no caixa. “Terra arrasada. Temos que pagar, e não tem dinheiro.”

Os salários deste mês, de jogadores e funcionários, foram pagos com atraso. Dono do maior contracheque do elenco, o atacante holandês Memphis Depay chegou a faltar a um treinamento, dizendo aos dirigentes e ao técnico Dorival Júnior o óbvio: que não recebeu.

Houve, então, uma encenação de punição. O clube publicou que Memphis se desculpou e foi multado. Em campo, como os seus companheiros, o holandês tem jogado mal. E Dorival reclama que não tem os reforços prometidos na ocasião de sua contratação, em abril.

A dívida atual está na casa dos R$ 2,5 bilhões, e os problemas de fluxo de caixa são evidentes. Nesse cenário, o diretor executivo de futebol, Fabinho Soldado, faz malabarismo para administrar atletas que não recebem em dia e explicar a Dorival que os reforços não vão chegar.

A equipe vai se arrastando, na inércia, na 11ª colocação do Campeonato Brasileiro. Enquanto isso, os pré-candidatos à presidência se movimentam, ainda que ninguém se declare candidato.

“Entendo a relevância do tema, mas acredito que antecipar discussões pode gerar ruído desnecessário antes da definição dos fatos. O momento é apenas de todos preservarem a instituição, sem vaidades e egocentrismos”, afirmou Herói Vicente, um dos prováveis postulantes.

Antônio Roque Citadini, que foi dirigente do futebol preto e branco de 2001 a 2004, é outro. “Sei que falam de meu nome por duas razões: nunca fui da RT [Renovação e Transparência] e não apoiei a eleição do Augusto”, disse.

Há outros nomes. Um deles é Armando Mendonça, que era o segundo vice-presidente e se tornou o primeiro após o afastamento de Melo. Existe também uma corrente que defende a manutenção de Stabile; sob a lógica: “Já estamos no caos, melhor deixar o segundo presidente, não empossar um terceiro”.

O terceiro, no que depender de Andrés, será Sérgio Alvarenga, que foi diretor jurídico em sua gestão. Mas muita coisa vai acontecer até a votação.