SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A contratação de crédito consignado do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) caiu 67% entre abril e junho deste ano depois de o instituto implantar, em maio, biometria obrigatória para a liberação do empréstimo.
Os dados são da ABBC (Associação Brasileira de Bancos). Entre abril e maio, a redução ficou em 65%; e, comparada a janeiro, quando o volume foi de 4,2 milhões de contratações, a queda é ainda mais expressiva, de 82%.
O crédito consignado é um empréstimo no qual a parcela é descontada diretamente da aposentadoria ou pensão. Com isso, como o risco de calote é praticamente zero, os juros são os mais baixos do mercado.
As regras são controladas pelo CNPS (Conselho Nacional de Previdência Social) e a exigência de biometria passou a valer após o TCU (Tribunal de Contas da União) mandar bloquear as liberações.
A mudança ocorreu em meio ao escândalo das fraudes do INSS. No dia 8 daquele de maio, o INSS bloqueou novos contratações de crédito consignado para, em seguida, no dia 23, passar a exigir que o beneficiário realizasse o desbloqueio por meio de biometria pelo Meu INSS para cada nova contratação.
A ABBC aponta ainda que há ao menos 500 mil pedidos de aposentados pendentes de análise pela Dataprev (empresa de tecnologia da Previdência), responsável pelo processamento de dados do INSS e pela implantação da biometria.
A associação diz que há limitações operacionais da estatal que, atrelada às dificuldades dos próprios aposentados em realizar a biometria, afeta a contratação de consignado.
“O processo, embora represente um avanço em segurança, está sujeito a limitações operacionais decorrentes da cota mensal de consultas contratada para a base biométrica. Quando essa cota é atingida, os desbloqueios ficam temporariamente indisponíveis até o início do mês seguinte”, diz a ABBC, em nota.
Procurada, a Dataprev disse que as informações deveriam ser verificadas com o INSS. O instituto não respondeu.
O aposentado João Francisco Neto, 70 anos, afirma que tenta desbloquear o crédito consignado desde ao menos o dia 3 de junho, quando precisou contratar um empréstimo por causa de problemas de saúde na família.
Sem conseguir a liberação, Neto recorreu a um empréstimo bancário convencional, com juros mais altos do que os previstos no consignado, hoje em 1,85% por mês.
Os bancos possuem opção de biometria há algum tempo. A diferença desse sistema para o da Dataprev é que a estatal utiliza a validação dos dados biométricos do segurado cadastrados no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que têm cota mensal.
Segundo a Febraban (Federação Brasileira de Bancos), cerca de um terço dos aposentados não possui biometria no TSE e, como não há caminho alternativo para esse desbloqueio, esse público se tornou inelegível a novas contratações de consignado.
A federação explica ainda que, no dia 22 de julho, o INSS esgotou sua cota de consultas às bases do TSE para o mês de julho, o que impossibilitou novos desbloqueios até o início de agosto, mesmo que o beneficiário tenha dados biométricos cadastrados no TSE.
Febraban e ABBC afirmam que discutem com a Dataprev e o INSS alternativas seguras para viabilizar o desbloqueio. A solução encontrada pelo grupo foi a utilização das credenciais de acesso aos bancos por meio do portal Gov.br, para garantir a autenticidade do beneficiário.
Elas são as mesmas utilizadas para acesso aos canais e para realizar transações bancárias nos aplicativos dos bancos. Atualmente, 16 instituições já possuem esse convênio com o Gov.br, e outras estão em processo de adesão.
“Após as últimas reuniões desta semana entre instituições e Dataprev, entendeu-se que a solução proposta é operacionalmente viável e está em fase de aprovação pelo INSS para que possa ser implementada. Ainda segundo a Dataprev, uma vez aprovada e priorizada a demanda, a implementação poderia ocorrer em questão de poucas semanas”, diz a Febraban.
QUAIS SÃO OS PASSOS PARA REALIZAR O DESBLOQUEIO PELO MEU INSS?
– Acesse o aplicativo ou site Meu INSS
– Informe CPF e senha Vá em “Do que você precisa?” e digite “bloquear”
– Escolha o serviço “Bloquear/Desbloquear Benefício para Empréstimo Consignado”
– Aparecerá na tela os benefícios que estão ativos
– Selecione o benefício e vá para etapa do reconhecimento facial
– Siga as dicas que aparecem na tela, como estar em local iluminado, sem uso de óculos escuros ou bonés
– Avance conforme as orientações. Primeiro, é necessário enquadrar o rosto na moldura e, depois, aproximá-lo do celular
– O sistema consultará a base do governo federal para confirmar a biometria já cadastrada
– Após o reconhecimento facial, informe os dados solicitados e anexe um documento oficial com foto
O INSS diz que o benefício continuará bloqueado para empréstimos caso a biometria não permita comprovar a vivacidade da pessoa usuária, não exista na base de dados ou não seja compatível com a existente no banco de dados.
POR QUE PRECISO DE BIOMETRIA PARA LIBERAR O EMPRÉSTIMO?
A utilização da biometria dos bancos para as contratações de consignado do INSS já era obrigatória desde 2022. No dia dia 8 de maio deste ano, o presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior, determinou o bloqueio de todos os benefícios previdenciários para novos registros de empréstimos consignados.
A medida tinha como objetivo impedir novas contratações após orientações do TCU, e passou a exigir biometria facial para qualquer operação de consignado, como contratar, refinanciar e fazer mudança entre bancos.
A partir de então, as instituições financeiras só podem visualizar a margem consignável (valor máximo da aposentadoria que pode ser comprometido com o pagamento de empréstimos) mediante autorização por biometria.
COMO FUNCIONAVA ANTES DAS NOVAS REGRAS?
Antes da mudança, os aposentados e pensionistas precisavam bloquear suas informações, caso não quisessem receber ofertas de empréstimos consignados. Para novos aposentados, no entanto, o benefício já era liberado com bloqueio válido por 90 dias. Era preciso desbloquear para fazer um contrato de empréstimo.
Com as novas regras, o bloqueio passou a ser automático em todos os casos e só é liberado após biometria facial.
O INSS BLOQUEOU CONSIGNADOS FEITOS POR REPRESENTANTES LEGAIS?
Sim. Desde 16 de junho, uma nova instrução normativa do INSS revogou a possibilidade de representantes legais autorizarem empréstimos consignados em nome dos beneficiários.
A mudança ocorreu após decisão do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), que suspendeu a liberação de novos consignados feitos por representantes sem aval da Justiça. A decisão atendeu a um pedido do MPF (Ministério Público Federal).
Segundo o MPF, o INSS extrapolou suas atribuições ao regulamentar a concessão dos empréstimos, pois o Código Civil prevê a necessidade de autorização judicial para negócios que possam causar prejuízos a pessoas consideradas incapazes.
Em junho deste ano, como revelou a Folha, 492,1 mil benefícios previdenciários em nome de menores de idade tinham descontos referentes a operações de crédito.
O QUE É E COMO FUNCIONA O EMPRÉSTIMO CONSIGNADO?
O empréstimo consignado é uma modalidade de crédito na qual o valor das parcelas é descontado diretamente do benefício mensal do segurado. Aposentados, pensionistas e demais beneficiários do INSS podem autorizar esse tipo de operação.
Atualmente, é possível comprometer até 45% da renda mensal com o crédito, sendo 35% com empréstimo pessoal consignado, 5% com cartão de crédito e 5% com cartão de benefício.
O prazo de pagamento pode chegar a 84 meses (sete anos). Em março, o CNPS elevou o teto dos juros para 1,85% ao mês. Até então, o limite era de 1,8% mensais, valor definido no início de 2025.