FORTALEZA, CE (FOLHAPRESS) – É de Fortaleza o festival de cultura pop e geek mais antigo do Brasil. O Sana chegou à 25º edição e bateu recorde de visitantes: recebeu 104 mil pessoas de sexta (18) a domingo (20), na capital do Ceará. O evento se consolidou como o maior do tipo no Nordeste e Norte e tenta fazer frente aos de São Paulo.

Começou como um clubinho de amigos órfãos das séries japonesas exibidas na extinta TV Manchete na década de 1990, como “Cavaleiros do Zodíaco” e “Jaspion”. Em 2001, 15 adolescentes organizaram exibições em VHS e uma feira de HQs no auditório de uma faculdade. Ao encontro deram o nome de “Super Amostra Nordestina de Animes”.

Nas reuniões seguintes, os amigos levaram videogames, acrescentaram concurso de cosplay e convidaram dubladores —o que atraiu milhares de entusiastas. Em 2005, criaram a Fundação Cultural Nipônica Brasileira para profissionalizar o festival, que hoje ocupa o Centro de Eventos do Ceará, espaço com 76 mil m², com seis palcos e estandes. Na pandemia, foram organizadas edições online.

Na esteira da nova versão de “Superman”, a atração principal desta edição foram os atores Tom Welling e Erica Durance, conhecidos por viver Clark Kent e Lois Lane em “Smallville”. Eles relembraram a série lançada há duas décadas, responderam perguntas de fãs, contaram bastidores —Durance, por exemplo, disse que de início havia recusado o papel— e participaram de sessões de fotos e autógrafos.

O painel reuniu o público mais velho do evento, que cantarolava a música-tema, “Save Me”, e vestia camisetas do Super-Homem. A maioria dos visitantes, no entanto, eram adolescentes e crianças, que enchiam os corredores fazendo cosplay de personagens do mundo geek e vestindo figurinos inspirados nos ídolos do k-pop.

A programação tentou equilibrar atrações nostálgicas, como show do cantor japonês Ayumi Miyazaki, que dá voz a canções do anime “Digimon”, e influenciadores que fazem sucesso sobretudo com a geração Z. Entre eles, Lucas Inutilismo, Muca Muriçoca e Mateus Machado, conhecido como Tettrem, que fez uma tentativa embaraçosa de formar casais no palco.

Dubladores de títulos queridinhos do público otaku, como Guilherme Briggs, participaram de painéis e sessões de autógrafos. O comediante Diogo Defante, entre as atrações principais, encheu o palco principal num painel cheio de palavrões e piadas nonsense —ele dedicou uns bons minutos a encenar “O Rei Leão” com um Labubu. Depois, fez show de rock com canções tão escatológicas quanto suas tiradas.

A escalação de artistas internacionais é a principal estratégia para trazer visitantes de outras regiões —pessoas de 23 estados compraram ingressos, segundo a organização. Já passaram pelo Sana Tom Felton, de “Harry Potter”, e Tichina Arnold, de “Todo Mundo Odeia o Chris”.

É também forma de atrair patrocinadores, antes desinteressados em investir no Nordeste, sobretudo pelos custos logísticos. “Essa dificuldade inicial fez com que a gente tentasse ao máximo ser autossuficiente. Tudo é criado por nós, não somos um evento de indústria”, afirma Ricardo Busgaib, um dos diretores. “Isso ajuda a ter uma longevidade maior. Montamos um modelo no qual o público pudesse ter as mesmas coisas que tem no eixo Rio-São Paulo de forma mais acessível.”

Os preços são um dos maiores atrativos em comparação a eventos do gênero na capital paulista. O ingresso partia de R$ 35 (meia-entrada social) e chegava a R$ 580 para pacotes VIPs, que incluíam fotos com os astros de “Smallville”. Uma praça de alimentação vendia comidas e bebidas mais em conta, como cachorro-quente a R$ 6 e água a R$ 5.

Nesta edição, o Sana conseguiu 16 patrocinadores, como Coca-Cola e Claro, que montaram estandes com ativações. Os principais foram a Kabum e a Riot Games, gigante do setor e dona do “League of Legends”.

A área de jogos e eSports tem destaque na programação, com uma arena movimentada com transmissões de competições, bate-papos e consoles para o público jogar. Outro palco é dedicado ao k-pop, que surgiu de demanda do publico, com workshops de coreografias, bate-papos, brincadeiras e campeonatos de dança cover. A próxima aposta dos sócios em cultura coreana é trazer atores de k-dramas.

A Vila dos Artistas é uma ala destinada a quadrinistas e outros artistas. O evento ainda reúne expositores —não de marcas grandes ou estúdios, mas de lojas locais e mercadinhos orientais. Uma volta pelo espaço mostrava outras atrações variadas, como tirolesa, parede de escalada, apresentação de orquestra, peça teatral, arena de batalha medieval, batalha de rima, oficina de chaveiro e karaokê.

“O Sana virou sinônimo de diversão. Essa é uma geração que cresceu com o evento ocorrendo, são 25 anos. As pessoas vêm para cá porque é uma atividade em família”, diz Igor Lucena, um dos diretores. O festival virou ponto de encontro de jovens fãs do universo pop e é conhecido no calendário da capital cearense.

E mostra que tem público no Nordeste. “Isso está enraizado na cultura da cidade. O fato de o evento existir tornou isso em algo comum. O mundo geek conseguiu virar algo popular, e não de nicho”, diz Lucena. “Hoje, Fortaleza é uma cidade mais desenvolvida, mas há 25 anos não tinha tantos pontos de cultura jovem. Fomos crescendo junto com a cultura pop internacional no Brasil. Quando começamos, ser nerd era algo pejorativo, hoje ser geek é legal”, completa Busgaib.

Para os expositores, o Sana funciona como vitrine. O escultor Walterlan Veríssimo participa há 12 edições e costuma receber encomendas. “Foi onde abri minhas portas”, diz. “Sou nerd e cresci nesse mundo. Aqui no Ceará, o público geek é enorme, você consegue ver pelo tamanho que o evento é hoje.” Ele atraiu filas com esculturas de até seis metros de altura de personagens de animes como “Naruto” e “One Piece”.

O quadrinista Wesley Mercês veio de Salvador, e diz que há muita gente interessada em festivais assim na Bahia e outros estados da região, mas que faltam marcas dispostas a produzi-los. Ele cria tirinhas humoradas inspirados na própria vida desde 2013, quando tinha 16 anos, e as transforma em livros, como o recente “O Apocalipse das Capivaras”.

Os sócios calculam que o Sana movimentou R$ 500 milhões na economia local. A fundação que criaram está ligada ainda a projetos sociais, como de adoção de animais e distribuição de ingressos grátis para estudantes da rede pública —neste ano, foram 35 mil.

O evento ocorre durante as férias escolares, época em que a cidade também está aquecida com o turismo. Ele é dividido em duas partes: três dias em janeiro, com foco em shows internacionais, e três em julho, com atrações de diversas áreas. Os ingressos para a primeira etapa de 2026, ainda sem programação divulgada, já estão à venda.

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A jornalista viajou a convite do Sana