SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As ordens do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinando que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não se manifeste em redes sociais e que suas entrevistas não sejam transmitidas em perfis de terceiros geram um debate sobre em que medida elas configuram ou não censura.
Especialistas consultados pela Folha de S.Paulo têm entendimentos distintos sobre o caso. Há quem veja as ordens como censura prévia e outros que entendem que foi uma limitação justificada e evitam usar o termo para caracterizar a ordem emitida pelo ministro.
O único ponto em comum entre todos os entrevistados é que a decisão de Moraes restringindo divulgação de entrevistas é pouco clara e marcada por ambiguidade.
Parte dessa confusão está inserida num contexto em que o ministro vem aplicando medidas cautelares que não estão previstas no Código de Processo Penal, com isso, não há critérios estabelecidos sobre esse uso.
Na sexta-feira (18), Moraes determinou diversas medidas cautelares alternativas à prisão contra Bolsonaro -como uso de tornozeleira eletrônica e proibição de uso “redes sociais, diretamente ou por intermédio de terceiros”-no âmbito de uma investigação que tem como alvo a atuação de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) junto ao governo de Donald Trump em defesa de sanções a autoridades brasileiras. Essas medidas foram confirmadas por 4 votos a 1 pela Primeira Turma do STF.
Já na segunda-feira (21), Moraes afirmou, em nova ordem, que tal restrição incluía transmissões, ou retransmissões de entrevistas “em qualquer das plataformas das redes sociais de terceiros”.
Após Bolsonaro falar a jornalistas na Câmara dos Deputados, exibindo a tornozeleira a fotógrafos e dizendo que o aparelho era “símbolo da máxima humilhação” -episódio que foi divulgado pela imprensa, e ainda nos perfis de apoiadores e opositores– Moraes intimou a defesa do ex-presidente para que esclarecesse o descumprimento das cautelares.
Na terça-feira (22), a defesa de Bolsonaro afirmou no processo que ele não descumpriu as medidas e pediu a Moraes que esclareça se o ex-presidente pode conceder entrevistas. O ministro ainda não se manifestou.
Rodrigo Chemin, professor de processo penal na Universidade Positivo, entende que tanto a decisão de Moraes que limitou o uso das redes sociais por parte de Bolsonaro quanto o despacho seguinte, tratando sobre publicações feitas por terceiros, consistem em censura. “A censura é quando você, de forma antecipada, impede a pessoa de se manifestar publicamente, sem saber o que ela vai dizer”, diz ele.
Para Chemin, caberia restringir a prática criminosa e, em caso de reiteração, determinar a prisão preventiva, mas não proibir o uso da rede social como um todo -mesma lógica que ele aplica a suspensão de perfis. “Você não pode proibir as pessoas de se expressarem antecipadamente partindo do pressuposto que a sua manifestação em rede social será necessariamente uma reiteração do comportamento delitivo”, diz.
“Se o ministro do Supremo decide inventar uma medida cautelar que a lei não prevê, o juiz de primeiro grau vai acabar inventando a dele e a gente não faz ideia de qual seja”, diz o professor, que aponta como necessário que a corte faça uma autocrítica quanto a como vem se legitimando uso de cautelares que não estão previstas na legislação.
Já o professor Rubens Glezer, da FGV Direito SP, tem uma visão distinta. Apesar de também ver problemas de falta de clareza, para ele não cabe falar em censura nessas decisões.
Em relação a Bolsonaro, ele afirma que a restrição foi feita para evitar que ele seguisse cometendo as condutas que estão sob investigação.
“Existe um controle prévio, mas dizer que é censura prévia, dá uma categoria para falar que seria arbitrário, inconstitucional ou ilegal. Eu acho que é uma restrição lícita”, diz.
Já quanto a terceiros, num primeiro momento, ele interpreta que, como a cautelar se aplica apenas a Bolsonaro, não deve caber punição a terceiros e que, com isso, não caberia falar em censura a pessoas de modo geral.
“Seria censura prévia se tivesse algo como: ‘qualquer terceiro que transcrever vai estar sujeito a investigação e punição’. Aí seria um problema de censura prévia. Mas a rigor, [a ordem de Moraes] não gera nenhuma repercussão para esses terceiros.”
Além disso, ele avalia que Bolsonaro não pode ser responsabilizado por aquilo que terceiros publicarem, a não ser em situações que em que ficar estabelecido que ele estava em alguma medida coordenando isso.
Para Paulo José Lara, diretor da Artigo 19, ONG que promove a liberdade de expressão, não é possível afirmar se a ordem de Moraes desta segunda-feira configura ou não censura.
Ele diz que essa impossibilidade se deve às próprias ambiguidades da decisão e a como ela se aplica ou não a terceiros. Quanto à restrição ao uso de rede social por parte de Bolsonaro, ele não entende que ficou caracterizada censura e argumenta que há restrições ao direito de manifestação que podem ser legítimas.
Em nota, a organização diz ver com preocupação as recentes decisões de Moraes no sentido da proibição de “utilização de redes sociais, diretamente ou por intermédio de terceiros”.
De acordo com a entidade, a decisão desta segunda-feira “é vaga e gera dúvidas sobre seu alcance” e “independentemente da maneira como for interpretada, essa imprecisão é suficiente para gerar o chamado chilling effect -um efeito inibidor que leva à autocensura”.
Também o professor em direito constitucional da USP (Universidade de São Paulo) Rubens Beçak vê tanto a decisão que limita o uso de redes sociais por Bolsonaro quanto a segunda ordem do ministro como censura.
Beçak vê como mais grave porém a ordem que buscou em tese esclarecer a primeira, por ser muito ampla e geral, dando a entender que está limitando até mesmo a manifestação de terceiros sem relação com o processo.
“Mesmo que as pessoas não venham a sofrer influxos do processo, elas estão adstritas a respeitar aquela limitação. Isso acaba provocando o que eu chamo de uma autocensura”, pondera ele.
Para o professor, se o intuito fosse limitar especificamente o ex-presidente e terceiros que possam postar conteúdos em nome dele, a ordem “tinha que ser mais detalhada, mais específica”.