SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – É a paixão, diz André Hidalgo, o fundador da Casa de Criadores, que move os estilistas frente às dificuldades de trabalhar com moda no Brasil. “Uma paixão dolorosa, intensa, que te coloca à prova o tempo inteiro”, afirma ele, com a experiência de décadas à frente de um dos principais eventos de moda autoral do país.

A Casa de Criadores, agora na edição de número 56, ocupa até domingo o Centro Cultural São Paulo, na capital paulista, com desfiles de jovens que estão no começo -caso de Lucas Caslú, vencedor de um concurso de novos criadores- e de veteranos que já tem uma carreira mais consolidada, como Fabia Bercsek, de volta à passarela depois de um hiato no qual se dedicou às artes visuais.

Há também a estreia de Marisa Moura, uma senhora da periferia de São Paulo que há décadas produz vestidos, turbantes, colares e batas para honrar a ancestralidade negra e que desfila agora pela primeira vez. Afinal, o talento, acrescenta Hidalgo, “não necessariamente tem a ver com a idade, mas sim com o trabalho anterior” de um criador.

Numa das salas de concreto e vidro do Centro Cultural São Paulo, com a plateia lotada e curiosos tentando assistir aos desfiles do lado de fora, Bercsek mostrou nesta terça-feira uma seleção de roupas quase banais, em sua definição, mas que carregam um pensamento de moda -ela desenha, para mulheres adultas, peças que têm algo do imaginário infantil e adolescente.

Os moletons estilo canguru eram propositadamente grandes demais, e um dos vestidos, feito a partir da junção de três vestidos de criança. As roupas tinham estampas de pinturas suas ou vinham sujas de respingos de tinta, no que ela define como “street[wear] despretensioso”.

Havia muito rosa, inclusive os sapatos, um dos quais coberto com esparadrapo, que lembra os tênis em que os skatistas põem fita isolante para tapar os buracos causados pelo atrito do calçado com a lixa. Fazer roupa com o que está à mão, sem depender de uma cadeia como Bercsek já dependeu quando sua marca era maior -em meados de 2010-, é o que a estilista procura agora.

A proposta era outra no desfile de Ale Brito, designer que começou como assistente da extinta marca As Gêmeas, na galeria Ouro Fino, em São Paulo, trabalhou para a Ellus e depois para Alexander McQueen, em Londres. Seu vestuário, rebuscado, era para mulheres que pareciam seguras de si -as modelos entraram na passarela segurando pastinhas de alfaiataria.

Brito desenvolveu a coleção -sem um tema definido mas livremente baseada em seu inconsciente-, junto ao Studio 115, uma alfaiataria que produz sob encomenda. Os vestidos drapeados levam quatro dias para serem feitos, ele conta, acrescentando que um de seus objetivos é manter viva a artesania no fazer das roupas. Havia uma óbvia preocupação com a construção das peças.

O desfile abriu com Marina Dias num vestido off-white arrastando no chão e fechou com Claudia Liz com um vestido preto estilo armadura, todo reto e esticado como uma tela de pintura, o que tem a ver com o trabalho da modelo como artista, diz Brito. Se o primeiro look era sublime, o segundo era rígido e estranho.

Brito acentuou os ombros e as ancas das suas peças e alongou as partes de trás dos vestidos. “Se você tem vontade de sair na rua com um vestido de cauda, você vai sair, por que o que que te segura. É sobre cada um ter a sua essência, mesmo”, disse o estilista nos bastidores, antes do desfile.

Sua experiência em desenhar roupas e armar um desfile que conta uma história ficou evidente se contrastada com a apresentação de Lucas Caslú. Iniciante, o goiano mostrou o que parecia um laboratório de experimentação têxtil, não propriamente moda. Um modelo vestia um look todo de retalhos jeans, outro colocou no corpo algo que lembrava a cortina de casa. A maquiagem coloridíssima, meio circense, deu um tom cômico à passarela.

Havia, sim, uns looks legais, como a capa preta de capuz ornada com argolas e o camisetão com uma estampa de arreio que na verdade era uma costura. Mas era difícil se concentrar neles em meio ao resto. Como se vê, a Casa de Criadores também é um espaço de ousadia e aprendizado para os estilistas, e é demais exigir que estejam prontos no início da carreira.

56ª CASA DE CRIADORES

Quando Até domingo, 27

Onde Centro Cultural São Paulo – r. Vergueiro, 1000, São Paulo

Preço Grátis; necessário convite para ver os desfiles

Link https://casadecriadores.com.br/