SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – É curioso -e um tanto simbólico- que esta seja a quarta vez que o Quarteto Fantástico tenta ir das páginas às telas. Responsável por tirar os quadrinhos da Marvel da lama nos anos 1960, a equipe retorna aos cinemas nesta quinta-feira em uma versão repaginada cercada de expectativa, mas também de desconfiança.
Sua jornada no audiovisual é marcada por derrotas -um fracasso de bilheteria em 2015, uma versão datada e esquecida dos anos 2000, e, antes disso, um filme gravado em 1994 que nunca foi lançado.
Para driblar o pé atrás do público, a Marvel contratou o ator mais desejado de Hollywood, o chileno Pedro Pascal. À frente do novo Quarteto como o cientista Sr. Fantástico, ele vira super-herói após passar por franquias de ação como “Star Wars”, “Game of Thrones” e “Gladiador”.
A escalação dele garante à Marvel o interesse da legião de fãs que chamam Pascal de papai nas redes sociais. Aos 50 anos, o chileno vem colecionando papéis de figuras paternas, e isso não muda em “Quarteto Fantástico: Primeiros Passos” -seu personagem tem de se equilibrar entre a paternidade e os afazeres como protetor da sociedade.
Não é à toa que a Marvel vai pôr Pascal na liderança da nova formação dos Vingadores, uma das franquias mais lucrativas do cinema, que ganha um novo capítulo no final do ano que vem. É a tentativa do estúdio de sair do marasmo dos últimos anos, com bilheterias bem abaixo dos bilhões de outrora.
“Pedro é um astro, um ator brilhante. Estrelas como ele vendem ingressos, isso é o que importa no fim das contas”, afirma a atriz Julia Garner, que faz a vilã Shala-Bal do novo filme.
A missão desse novo Quarteto Fantástico é, portanto, reerguer a Marvel e finalmente fazer um bom retrato dessa equipe que é essencial à história dos super-heróis. Criado por Stan Lee, fundador da Marvel, e Jack Kirby, uma lenda entre os quadrinistas, a trupe estreou em 1961, teve sucesso imediato com suas histórias de ficção científica e ar vintage, e fez os gibis da Marvel baterem pela primeira vez os da DC Comics.
Por isso o diretor Matt Shakman atendeu a um desejo antigo, e fez desse Quarteto uma família fofa, com jeito de comercial de margarina -nos filmes antigos, os heróis agiam mais como colegas de trabalho.
“Primeiros Passos” tem um bebê recém-nascido no centro da briga entre o grupo e o vilão Galactus, o devorador de planetas, que decide engolir a criança para aplacar sua fome insaciável. Sue Storm, a Mulher-Invisível, se vê sob pressão da sociedade para entregar o filho. Sua rede de apoio é formada pelo irmão Johnny, o Tocha Humana, e o amigo Ben Grimm, o Coisa, cuja pele é feita de pedra. Há ainda o robô H.E.R.B.I.E, que faz as vezes de babá.
“Este é um filme sobre comunidade, e isso torna ele muito humano”, diz Garner. Ela foi escalada para fazer uma versão feminina do personagem Surfista Prateado -decisão mal recebida por parte dos fãs. “Não há diferenciação entre temas masculinos e feminino, são assuntos humanos.”
Um dos maiores nêmesis do Quarteto, o alienígena de corpo reluzente apareceu nos cinemas pela primeira vez no filme “Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado”, sequência do filme de 2005, o primeiro do grupo.
As obras eram uma adaptação nada fiel à dinâmica do grupo nas HQs. Sue e Reed formam um casal, e o Tocha-Humana de Chris Evans tem a malandragem do personagem, mas eles pouco discutem suas relações familiares, e passam mais tempo fazendo piadas hoje consideradas datadas. Pesou para esses filmes, ainda, tratar a Mulher-Invisível de Jessica Alba de forma sexualizada.
O novo Quarteto faz de Sue mais empoderada. Vanessa Kirby, dona da personagem agora, está grávida durante a turnê de divulgação do filme, e diz que ter interpretado cenas como a de um parto ajudaram ela a entender melhor os sentimentos de mãe.
Sua Mulher-Invisível é anos mais velha que a da última versão. Lançado há dez anos, o “Quarteto Fantástico” dirigido por Josh Trank é um dos maiores fracassos dos filmes de super-heróis -o filme custou US$ 120 milhões, fora os custos de marketing, e arrecadou somente US$ 167,9 milhões, mal conseguindo se pagar.
O elenco, mais jovem que o da primeira versão, tinha Kate Mara no papel da Mulher-Invisível, Miles Teller como Sr. Fantástico e um Michael B. Jordan no começo de carreira fazendo o Tocha-Humana. Esta, aliás, foi uma escolha polêmica, dado que Jordan é negro, e o personagem é branco nos gibis.
O filme de 2015 decepcionou por pesar a mão no drama, entre cenas escuras e um roteiro que nunca trata a equipe como família. Nem o diretor gostou do resultado. Em entrevistas, Trank disse que o longa sofreu com a interferência de executivos do estúdio, que mexeram na versão entregue por ele.
Anos depois, Trank contou ainda ter passado a dormir com uma arma debaixo do travesseiro durante a produção do filme após receber ameaças de fãs inconformados na internet.
“Aquilo foi um show de horrores”, diz Fábio Gomes, jornalista especializado em cultura pop. “Chamaram o diretor de ‘Poder sem Limites’, um cara de potencial absurdo, deram para ele o Quarteto com a proposta de criar uma geração nova, escalaram um elenco promissor, mas refilmaram tudo.”
A produção só não foi tão caótica quanto a do filme fantasma de 1994. Prestes a pedir os direitos sobre o Quarteto, a produtora Constantin Film teve de se virar para tirar do papel um longa sobre eles. Investiu US$ 1 milhão, valor baixíssimo para um filme de ação, e recorreu ao produtor Roger Corman, especialista em produções baratas.
A equipe que fez o filme foi toda enganada. Apesar de nunca ter pretendido lançar o filme, a produtora fez trailers e cartazes e levou o elenco para uma turnê de entrevistas. “Fiquei arrasado. Todo aquele trabalho, nossas esperanças e sonhos estavam acabados”, disse Michael Bailey Smith, que interpretou o Coisa.
Um pedido de desculpas vem agora, 30 anos depois –Smith e os três colegas aparecem no novo filme, em uma rápida participação, conforme antecipado pelo chefão da Marvel Kevin Feige.
Entusiasta da ideia de multiverso, em que mesmos personagens vivem em várias dimensões, o executivo agora se prepara para uma possível guinada do estúdio com os novos Vingadores, que terão como vilão o Doutor Destino, também das histórias do Quarteto Fantástico.
QUARTETO FANTÁSTICO: PRIMEIROS PASSOS
Quando Estreia nesta quinta (24), nos cinemas
Classificação 12 anos
Elenco Pedro Pascal, Vanessa Kirby e Joseph Quinn
Produção Estados Unidos, 2025
Direção Matt Shakman