SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – O pedágio mais caro do país passou a custar ainda mais. Para deixar São Paulo rumo à Baixada Santista, motoristas de carro pagam R$ 38,70 no SAI (sistema Anchieta-Imigrantes) e caminhoneiros, até R$ 387.
O QUE ACONTECEU
Ir de carro para a praia no litoral sul nunca foi tão caro. É preciso pagar R$ 38,70 para descer a serra, mais R$ 10,90 em São Vicente e mais R$ 18,30 na entrada da cidade para chegar em Santos.
Para viajar de carro para a Baixada Santista, total é de R$ 67,90, mas sem cobrança na volta para a capital. Sendo assim, R$ 33,95 é o preço proporcional por trecho para os motoristas, segundo a Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo).
“Levando em conta a distância de São Paulo à Baixada Santista, R$ 38,70 é um valor bem alto, principalmente para quem usa bastante a estrada. Devia ter algum cadastro, algum jeito de a gente provar que mora aqui e que precisa ir pra São Paulo”, disse Andrezza Arnone, moradora de Santos que vai a São Paulo a trabalho a cada 15 dias.
Há quem deixe de viajar por conta do valor. Daniela Junco, que mora em Santos e vai a São Paulo três vezes por semana, disse que tenta priorizar compromissos online para evitar pagar o pedágio.
Quando vai a SP, Daniela leva passageiros de aplicativo no carro para dividir custos. Ela gosta das vias da Imigrantes e prefere pagar pela boa qualidade, mas reconhece que o valor é muito alto.
“Se eu vou três vezes por semana, vezes quatro semanas, estou falando de quase R$ 500 [por mês]”, afirma Daniela Junco, moradora de Santos.
Para a motorista, a Anchieta não é tão boa quando a Imigrantes. As pistas são melhores e têm menos caminhões, que causam insegurança no trânsito, diz Daniela.
Valores são altos por conta do alto padrão de segurança contra acidentes, diz especialista. As rodovias Anchieta e Imigrantes nesta quarta-feira (23) são duas das mais seguras do país, senão as mais seguras, afirma João Virgilio Merighi, engenheiro que trabalha com infraestrutura de transportes há quase 50 anos.
“Lógico, para todos nós, R$ 38,70 é caro. Só que a segurança é um custo que nós temos de ter”, diz João Virgilio Merighi, engenheiro civil, doutor em Infraestrutura de Transportes pela Poli/USP e professor do IFSP (Instituto Federal de São Paulo).
Concessionária investe em um pavimento muito avançado, que previne deslizamentos na chuva. O nível de atrito entre o pneu e o chão na rodovia tem a qualidade testada periodicamente, algo que não acontece em grandes cidades, segundo Merighi.
Estrutura geológica da Serra do Mar exige esforços contra deslizamentos de terra. A serra onde estão as rodovias é muito inclinada, com terreno montanhoso. Isso exigiu a construção de túneis, que têm manutenção complexa. “Você tem que ter a presença de geólogos, com equipamentos o tempo todo, medindo se há algum risco de movimento de terra”, afirma Merighi.
A falta de segurança que nesta quarta-feira (23) preocupa usuários é outra: o risco de assaltos e a falta de policiamento. Andrezza diz que a via tem boa manutenção, mas vê a ameaça da violência como um problema.
“Não me sinto segura de andar, principalmente à noite, porque aqui a gente vê um monte de assaltos ou o pessoal jogando pedra. O curioso é que sempre nos mesmos pontos jogam pedras. Tentam furar o pneu das pessoas jogando coisas na via. É perigoso. Os caras enxergam, veem reportagens, todo mundo falando e reclamando sobre isso, é um ponto em que eles tinham que investir”, diz Andrezza.
Ao longo dos 27 anos de concessão, concessionária diz já ter investido cerca de 10 bilhões em melhorias no sistema. Investimentos são feitos em equipamentos como guinchos, equipes de socorro e apoio ao motorista, que dão atendimento rápido e eficaz em casos de acidentes ou falhas mecânicas. Há também uma extensa rede de telefones de emergência, com uma cabine a cada 2 km, avalia Merighi.
“É uma rodovia padrão internacional. Levei vários colegas de fora do Brasil, dos Estados Unidos e Europa para conhecerem. Quer dizer: é um cartão postal de rodovia.” – João Virgilio Merighi, engenheiro civil, doutor em Infraestrutura de Transportes pela POLI-USP e professor no IFSP (Instituto Federal de São Paulo)
Empresa arrecadou 1,6 bi em 2024 só com o pedágio desse trecho. O SAI representa 24% de toda a receita bruta da Ecovias (empresa concessionária) com pedágios que opera por todo o país. Em 2024, a arrecadação só dessa praça foi R$ 120 milhões maior do que o ano anterior.
Companhia administra 23 trechos rodoviários pelo país, além do porto de Santos e a ponte Rio-Niterói. No estado de São Paulo, a empresa também mantém as rodovias Raposo Tavares, Castello Branco, o corredor Ayrton Senna/Carvalho Pinto, além de partes das rodovias SP-310, SP-326 e SP-333, no noroeste paulista. Também opera estradas de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Goiás e Tocantins.
Agência reguladora diz que valor é o mais baixo possível. O UOL procurou a Artesp, que autorizou aumentos e fiscaliza o contrato de concessão. A empresa disse que o objetivo do pedágio é garantir a qualidade e o menor preço possível.
Aumentos previstos em contrato acompanham a inflação. Todos os pedágios concessionados no estado de São Paulo, incluindo o do SAI, sofreram aumentos neste mês. Os preços são baseados em estudos técnicos, segundo a Artesp.
Governo de São Paulo fez acréscimo além do previsto. O estado adicionou R$ 0,30 na tarifa do trecho ao longo dos últimos três anos. Esse valor a mais não estava no contrato, mas a Justiça autorizou a medida para reduzir desequilíbrios econômico-financeiros, não especificados ao UOL, que o governo afirma ter com a Ecovias.
CONCESSÃO FOI FEITA HÁ QUASE TRÊS DÉCADAS
Modelo antigo, adotado em 1998, também contribui para as altas cobranças. A concessão das duas estradas foi firmada no governo Mário Covas (PSDB), com vigência de 20 anos. Em 2021, foi prorrogado até novembro de 2033. No padrão adotado, a empresa vencedora da licitação era aquela que pagasse mais, sem que o estado desse nenhuma contribuição.
Na época, estradas quase não tinham infraestrutura que viabilizasse o tráfego. A empresa teve que praticamente erguer e manter duas novas rodovias sozinha, o que se reflete até nesta quarta-feira (23) na alta cobrança aos motoristas, de acordo com Marcus Quintella, professor e diretor da FGV transportes
A única fonte de receita do concessionário é a tarifa. Com essa tarifa, ele tem que devolver o capital investido, ter lucro e ainda operar a rodovia; a manutenção toda da rodovia Marcus Quintella, professor e diretor da FGV transportes
ESPECIALISTA VÊ BRECHA PARA REDUÇÃO DE VALORES NO FUTURO
O atual contrato termina em 2033 e, como a nova gestão terá menos investimentos a fazer, existe a possibilidade de a tarifa baixar, diz Quintella. Não há, no entanto, como calcular o quanto, afirma o professor. Até o fim do contrato, a concessionária ainda precisa entregar a terceira pista da Imigrantes, que promete reduzir congestionamentos e riscos de acidentes.
Concessionária e agência fiscal não confirmam a possibilidade. Procuradas pelo UOL, Ecovias e Artesp não responderam se há estimativa de barateamento.
Cobrança por distância percorrida é tendência para o futuro. O mercado de pedágios deve adotar cada vez mais o free flow, uma tecnologia que cobra somente pela distância que o motorista percorre, segundo Marcus. Em São Paulo, os pedágios de Itápolis e Jaboticabal já possuem esse sistema.
ESTUDOS APONTAM QUE TRECHOS CONCESSIONADOS SÃO MAIS SEGUROS
Sob administração pública, preços são mais baixos, mas acidentes graves são três vezes maiores. Entre 2022 e 2023, 76,3% dos graves em vias federais foram em trechos administrados pelas autoridades e 23,7% nos concessionados. Sem avaliar gravidade, 55,6% dos acidentes foram em estradas sob administração pública e 44,4% em vias concedidas. A análise foi publicada em 2024 pela Fundação Dom Cabral, que usou dados da PRF.
Estradas com baixo nível de segurança geram mais gastos com manutenção dos carros. O professor João Virgílio ressalta que em vias com maiores irregularidades e desníveis causados por remendos, veículos têm maior desgaste nos freios e amortecedores, o que também pesa no bolso de quem dirige.