SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O advogado Anderson dos Santos Domingues, 44, foi alvo de dois pedidos de prisão no último ano e meio. No primeiro, sob a acusação de repassar ordens do traficante internacional Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, a companheiros do PCC (Primeiro Comando da Capital). No segundo pedido, feito há cerca de um mês, sob a acusação de integrar um esquema de corrupção de policiais civis em São Paulo.

Ele já foi condenado duas vezes e cumpriu pena por suas conexões com a facção criminosa paulista. Nos casos mais recentes, escapou da medida cautelar mais grave: os dois últimos pedidos de prisão preventiva contra ele foram recusados pela Justiça.

Domingues, vulgo Doutor, chegou a ficar preso cerca de um ano em regime fechado. Saiu da cadeia sem passar pelo semiaberto —quando o preso pode sair durante o dia e dorme numa unidade penitenciária— pois havia cumprido mais de um terço da pena e apresentava bom comportamento. Em 2017, foi beneficiado por um indulto natalino assinado pelo então presidente Michel Temer (MDB) que anulou parte da pena de sua primeira condenação.

Seis anos depois teve aprovada uma reabilitação criminal, recurso que garante o sigilo da sentença e a suspensão de alguns efeitos da condenação, como a perda de cargo ou função. Nessa época, já havia sido condenado novamente em primeira instância pelo crime de organização criminosa.

A reportagem conversou por telefone com Domingues. Ele afirmou que não deseja se manifestar sobre as acusações.

Domingues tornou-se alvo da Polícia Federal pela primeira vez em 2014, numa operação que investigou o tráfico de drogas na região de Bauru, no interior paulista. Chegou a ficar preso preventivamente na penitenciária de Tremembé naquele ano, mas logo passou para a prisão domiciliar.

O inquérito teve início em setembro do ano anterior, quando um agente da PF foi morto durante uma operação para interceptar um carregamento de drogas no município de Bocaina, a 70 km de Bauru.

Equipes policiais aguardavam escondidas pelo pouso de um pequeno avião com drogas numa pista na área rural, normalmente usada por aeronaves agrícolas. Criminosos que estavam em um carro na pista, para receber o carregamento, fugiram quando ouviram as sirenes e atiraram contra uma viatura. O agente Fábio Ricardo Paiva Luciano morreu após ser atingido no tórax por um tiro de fuzil.

Cinco pessoas acabaram presas na noite da operação, entre elas o piloto da aeronave —que chegou a levantar voo novamente, mas caiu num canavial próximo à pista de pouso e pegou fogo. Outros suspeitos foram detidos num carro interceptado pela polícia.

Da apreensão dos celulares naquela noite e da quebra de sigilo telemático, veio a conexão do caso com o advogado. Surgiram mensagens em que ele pedia dinheiro e recebia informações sobre carregamentos de drogas que viriam do Paraguai, segundo a investigação.

“Observou-se durante as investigações que [o advogado] também tinha sua partilha nas remessas de drogas que vinham do Paraguai. Ele, inclusive, teve diálogos interceptados em que tratavam dessas negociações”, diz um trecho do inquérito, transcrito na sentença que o condenou.

Em juízo, Domingues afirmou que emprestava seu celular a clientes e que não sabia que as mensagens tratavam de tráfico de drogas, pois elas eram apagadas em seguida. A Justiça considerou que havia prova de sua participação na maioria dos diálogos. Ele foi condenado a sete anos e quatro meses de prisão.

Na mesma época, o advogado também era monitorado por interceptações telefônicas na Operação Gaiola, da PF em Limeira (SP). Elas mostraram principalmente mensagens que Domingues trocava com Rodrigo Felício, o Tiquinho, responsável pelo tráfico de drogas do PCC no interior de São Paulo.

A denúncia do Ministério Público Federal, à época, o acusou de ser “integrante da ‘Sintonia dos Gravatas’”, setor do PCC que, além de defender integrantes da facção, envolvia-se “diretamente nas negociações de compra e venda de drogas da facção, tendo ainda destaque na intermediação de conflitos internos do grupo”. Em 2019, foi condenado a cinco anos e três meses de prisão.

Depois, o advogado tornou-se alvo da Operação Mafiusi, que desmontou um esquema de tráfico de drogas entre a América do Sul e a Europa.

“Concomitantemente ao esquema de tráfico internacional que esse grupo estava operando no porto de Paranaguá [PR], através dessas remessas de cocaína, com conexões na Espanha, eles também começaram a se articular para tentar o resgate de um traficante preso em Moçambique”, diz o delegado Eduardo Verza, da PF do Paraná, responsável pela investigação da Mafiusi. “Isso seria feito através de corrupção de agentes públicos, para impedir que ele fosse extraditado ao Brasil.”

Domingues foi incluído num grupo de mensagens do aplicativo SkyECC logo após a prisão de Fuminho em Moçambique, na costa oriental da África, em 2020. O fato de já ter sido advogado de pessoas conhecidas do grupo —o chefe do PCC André de Oliveira Macedo, o André do Rap, e dos italianos Patrick e Nicola Assisi, da máfia ‘Ndranghetta— teria servido como credencial de confiabilidade.

Segundo a investigação, com a intermediação do advogado e a ajuda de um cônsul honorário de Moçambique no Brasil, o grupo conseguiu que um celular fosse levado para a cela ao lado de onde estava preso Fuminho. Ele teria ditado as ordens que foram repassadas com o aparelho.

As mensagens de Fuminho chegaram aos integrantes do grupo por meio de Domingues, com cinco capturas de tela. Após enviá-las, também de acordo com a apuração, o advogado pediu aos comparsas que não ficasse desamparado caso se tornasse alvo de alguma investigação. Relatou que estava preocupado pois o cônsul moçambicano que havia ajudado no contato com Fuminho seria descuidado ao falar ao telefone.

“Não confio em inviolabilidade”, ele disse, após um dos integrantes ponderar que linhas telefônicas consulares não poderiam ser monitoradas. Pouco depois, informou aos colegas que o cônsul estava cobrando pagamento pela ajuda. A denúncia contra ele na Justiça Federal do Paraná ainda não foi julgada.

Na última sexta-feira (18), Domingues tornou-se alvo de uma denúncia criminal pela quarta vez. Promotores do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público de São Paulo afirmam que ele intermediou um pagamento de propina a policiais civis para que o helicóptero de um cliente seu fosse liberado. A aeronave havia sido apreendida numa operação de combate ao tráfico de drogas.

Esse último inquérito, que resultou na Operação Agusta, teve início após a apreensão do celular do policial Marcelo Marques de Souza, o Bombom, preso em fevereiro sob acusação de integrar o grupo de policiais civis que extorquia dinheiro do empresário e delator Antônio Vinícius Lopes Gritzbach, morto no aeroporto de Guarulhos.

A análise do celular de Bombom mostrou que ele e o advogado eram próximos e se comunicavam com frequência. O filho do policial trabalhava no escritório do advogado. Há ao menos uma troca de mensagens em que Bombom fala em um pagamento que é devido ao advogado.

É após ser acionado pelo advogado que Bombom, segunda a investigação, toma a iniciativa de procurar outro policial civil que estava responsável pelo caso em que o helicóptero havia sido apreendido. A aeronave, um modelo Agusta AW109 avaliado em R$ 10 milhões, acabou liberado após as tratativas.

Segundo a acusação, Domingues teria recebido parte do dinheiro pago para obter a liberação do helicóptero. Procurada, a defesa do policial afirmou que vai comprovar sua inocência e se manifestará nos autos do processo.

Questionada, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) informou que Domingues responde a um processo no Tribunal de Ética e Disciplina da instituição. Todos os processos desse tipo são sigilosos. “O Órgão apura toda e qualquer infração que chegue a seu conhecimento por intermédio de representação ou diante de fato divulgado em canais de comunicação”, informou a seção paulista da Ordem, em nota.