SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Para a socióloga nigeriana Oyèrónké Oyewùmí, a ideia de gênero tem raízes eurocêntricas e faz com que a representação sobre as mulheres africanas seja eivada de estereótipos negativos.

“A ideia de gênero está ligada à cultura ocidental”, diz ela. “Quando comecei a lecionar na Califórnia, não havia livros para apresentar aos alunos que não trouxessem representações negativas sobre mulheres africanas.”

Por isso, ela decidiu ocupar essa lacuna com uma coletânea reunindo textos que dessem conta das múltiplas perspectivas africanas sobre a ideia de gênero.

Assim nasceu “Estudos Africanos de Gênero”, livro que agora ganha uma tradução em português. O lançamento aconteceu nesta terça-feira (22), no Itaú Cultural, na avenida Paulista, região central de São Paulo.

Além da própria acadêmica, o evento contou com as presenças da escritora Ana Maria Gonçalves, da filósofa Sueli Carneiro e do músico Tiganá Santana. A mediação foi feita pela jornalista e colunista da Folha Bianca Santana.

“Estudos Africanos de Gênero”, que reúne mais de 20 textos, chega ao Brasil como resultado de uma parceria entre a editora Martins Fontes, o Itaú Cultural e a Fundação Tide Setúbal.

“Essa antologia é o meu segundo livro”, diz a escritora, que estreou no mercado editorial com o seminal “A Invenção das Mulheres”. “Quando comecei a escrever a minha primeira obra, ainda não sabia que o gênero era uma construção eurocêntrica.”

Para subverter isso, ela lançou mão dos saberes iorubás. Um exemplo é o conceito de oxunismo, ideia por meio da qual Oyěwùmí promove uma releitura do feminismo tomando como base Oxum, orixá das águas doces e da fertilidade.

O livro também traz como elemento basilar a diversidade de vozes. “A gente tem que olhar para a África de forma multifacetada, porque muitas pessoas escrevem sobre ela como se fosse uma vila, e não um continente.”

O livro prima tanto pela multiplicidade de perspectivas que traz até mesmo textos de autores homens.

“Por que gênero deveria ser sinônimo de mulher?”, questiona. “Não achava que todos os capítulos tinham que ser feitos por mulheres. Eu queria textos que abordassem temas relevantes para as minhas aulas. Eu não achei que eu teria que reduzir a obra a algo binário, em que apenas mulheres pudessem escrever.”

Durante o lançamento, Oyěwùmí disse que encontrou em seu trabalho como pesquisadora um instrumento para resistir a mecanismos de opressão. Ela, porém, está interessada em aproximar a academia da sociedade de forma mais ampla.

“Eu me pergunto como nós transformamos pesquisas em realidade, ou seja, em políticas e mudanças sociais. Me pergunto como fechamos a lacuna entre feminismo acadêmico e o ativismo social.”

Para ela, um exemplo bem-sucedido disso é a Marcha das Mulheres Negras, movimento que conheceu em sua passagem pelo Brasil. “Fiquei impressionado com a organização de mulheres afro-brasileiras. Há muito o que aprender com vocês.”

Oyěwùmí diz sentir o impacto de seus estudos sobre gênero na sociedade brasileira. Essa realidade, porém, é diferente na Nigéria, seu país de origem. “Lá, eu me pergunto se as pessoas estão lendo os meus livros.”

Para ela, a rejeição à questão de gênero acontece em razão de interpretações extremadas do cristianismo e do islamismo. A acadêmica ilustra isso citando uma situação que aconteceu em sala de aula.

Oyěwùmí lembra que ficou feliz ao perceber que um de seus alunos nos Estados Unidos era de origem nigeriana. A pesquisadora pediu, então, que ele lesse o capítulo de um de seus livros. Na aula seguinte, perguntou o que o aluno havia achado.

“Ele disse que não terminou, porque falava sobre orixás e que seu pai havia pedido para que não se aproximasse desse tipo de coisa.”

Apesar disso, ela não desanima. “No nosso trabalho, deve haver maneiras de resistir às forças dominantes. Eu não ia aceitar as representações negativas sobre mulheres africanas. O meu livro ‘A Invenção das Mulheres’ mostrou que existem outras formas de pensar e de imaginar o mundo.”

ESTUDOS AFRICANOS DE GÊNERO

– Quando R$ 79,90

– Autoria Oyèrónké Oyewùmí

– Editora WMF Martins Fontes

– Tradução Karine Ribeiro