RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Em uma parede, dezenas de fotografias mostram pessoas de diferentes idades, de bebês nos colos de suas mães a pré-adolescentes e pessoas idosas. Um elemento, porém, une essa miscelânea de corpos e rostos. Todos os fotografados seguram placas pretas numeradas.

Parte da série “Marcados”, de Claudia Andujar, esses retratos se firmaram ao longo dos anos como uma testemunha da vulnerabilidade social do povo yanomami. Não à toa, a série é um dos destaques da exposição “Claudia Andujar e seu Universo”, em cartaz no Museu do Amanhã, no centro do Rio de Janeiro.

O projeto faz parte do “Esquenta COP”, iniciativa em que a instituição leva ao público uma série de atividades que antecedem a conferência das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas.

A exposição de Andujar, de 94 anos, tem 130 trabalhos que mostram a versatilidade e o domínio técnico de uma das fotógrafas mais importantes do Brasil. Há imagens que retratam as ruas e os arranha-céus de São Paulo, mas também fotografias que mostram a volta forçada de imigrantes para suas terras natais.

Embora esses trabalhos chamem a atenção pelo apuro estético, o que mais se impõe na exposição são as fotografias que retratam o cotidiano do povo yanomami. “Quando fiz essas fotografias, nos anos 1970 e 1980, eu procurei representar essa comunidade a partir de suas malocas”, diz Andujar, em entrevista por email. “Nas fotos, podemos ver sua vida em comum, os conjuntos de famílias e a maneira como eles vivem. Através desse conhecimento, pude propor um projeto para entendê-los como um povo.”

Em seu trabalho, ela buscou também entender a cosmologia dessa comunidade. Foi isso o que fez na série “Sonhos Yanomami”, em que registrou rituais por meio de sobreposições que conferem uma atmosfera onírica às imagens.

A série “Marcados”, no entanto, é possivelmente seu projeto mais célebre com essa comunidade. O trabalho nasceu no começo dos anos 1980, quando a fotógrafa acompanhou uma expedição que levava assistência médica aos indígenas. Como eles não costumam usar nomes próprios, os profissionais de saúde decidiram identificá-los por meio de números.

A origem da série também pode ser explicada pela biografia da fotógrafa. Nascida na Suíça em uma família judia, Andujar precisou fugir da perseguição nazista durante a Segunda Guerra Mundial. À época, os judeus eram marcados com uma estrela de Davi nos campos de concentração antes de serem executados.

“Mas os indígenas nas fotos dela estavam marcados para viver, e não para morrer”, diz Paulo Herkenhoff, que assina a curadoria da exposição. “Eles estavam identificados não por uma placa policial, mas por uma placa de política pública voltada à saúde.”

Para evidenciar a relevância do trabalho de Andujar, o curador decidiu incluir na mostra obras de artistas como Cildo Meireles, Denilson Baniwa e Sebastião Salgado. A ideia era deixar claro que a preocupação ambiental da fotógrafa influenciou toda uma geração.

“Claudia se tornou emblemática pelo leque de assuntos que ela aborda. Em suas fotos, ela antecipou, por exemplo, a violência do golpe de 1964 e dos ataques do 8 de janeiro”, diz Herkenhoff.

A temática ecológica está presente também em outra exposição realizada no âmbito do “Esquenta COP”. Desta vez, a mostra é dedicada às imagens de Lalo de Almeida, fotógrafo da Folha, e Luciano Candisani. Ambos os fotógrafos retratam as paisagens naturais do Pantanal.

A diferença, porém, está no estado em que esse bioma é apresentado ao público. Enquanto as fotos de Lalo mostram a devastação das queimadas, com animais e árvores esturricadas, os trabalhos de Candisani fazem um retrato pujante do Pantanal, com a flora e a fauna em pleno vigor.

“Ao misturar esses dois trabalhos, a gente transporta as pessoas para um mundo maravilhoso e, de repente, elas levam uma rasteira. Olha o que a magia do universo criou naturalmente e olha o que nós estamos fazendo com tudo isso”, diz Eder Chiodetto, curador da mostra “Água Pantanal Fogo”.

A mostra traz trabalhos célebres de Lalo, como a imagem que mostra um macaco carbonizado no Pantanal. A fotografia rodou o mundo por escancarar a destruição provocada pelas queimadas. Em 2022, o fotojornalista venceu a categoria regional de projeto de longa duração do World Press Photo, a mais prestigiosa premiação de fotojornalismo do mundo.

Já Candisani é conhecido como um dos profissionais mais importantes do mundo de fotografia subaquática. Seus trabalhos documentam com impressionante nitidez os hábitos de animais como peixes e jacarés.

Para o curador, as imagens dos dois fotógrafos são importantes para sensibilizar o público sobre a preservação ambiental. “A fotografia serve de testemunha ocular. Ela é um dos instrumentos políticos mais importantes que a gente tem.”

O Museu do Amanhã, no entanto, não aposta apenas na fotografia para aproximar o público da questão ambiental. Em uma terceira mostra, a instituição reúne esculturas e pinturas de 14 artistas mulheres latino-americanas.

São obras de nomes como Marilyn Boror Bor, Rosana Paulino e Suzana Queiroga. A maior parte dos trabalhos, aliás, dialoga com os fluxos da água.

Marcela Cantuária, por exemplo, apresenta “O Sonho Sul-Americano”, uma grande pintura em que ativistas e ambientalistas aparecem conectados por cursos fluviais. “Para muitos artistas, a água é um lugar de memória”, diz Ana Carla Soler, que assina a curadoria da mostra ao lado de Carolina Rodrigues e Francela Carrera. “Queremos tratar nessa exposição sobre assuntos ligados à justiça climática e à forma como nós ocupamos os nossos territórios.”

O jornalista viajou a convite do Museu do Amanhã

OCUPAÇÃO ESQUENTA COP

– Quando De qui. a ter., das 10h às 18h. Até 4 de novembro

– Onde Museu do Amanh㠖 Praça Mauá, 1, Centro, Rio de Janeiro

– Preço R$ 40. Museudoamanha.org.br