SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – À espera de uma corrida em uma praça na Vila Olímpia, na zona oeste de São Paulo, o entregador Fernando Salu, 36, mostra, entre tantos adesivos afixados em sua moto, um com a mensagem “Sem motoboy São Paulo não anda”. Há dois anos, o trânsito da capital paulista o fez parar de trabalhar quando a colisão com um motorista o levou desacordado para o hospital. Foram duas semanas de internação e uma cirurgia para fixar com pino o osso quebrado da perna direita.
O meio de transporte é o mais perigoso para quem dirige na capital paulista. Nos últimos dez anos, motociclistas passaram de 32% para 47% das mortes no trânsito, segundo levantamento feito pelo DeltaFolha com base em números de acidentes fatais do Detran-SP (Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo) de janeiro de 2015 a junho deste ano.
As mortes de motociclistas não só acompanharam a alta recorde de acidentes fatais em 2024 como dobraram em relação ao percentual total de óbitos, considerando todos modais. Enquanto as ocorrências de trânsito com mortes tiveram alta de 11,3% em relação a 2023, as motos cresceram 20,6% no mesmo período.
No ano passado, houve 1.033 ocorrências na capital paulista, o maior número desde 2015, quando foram registrados 1.101 óbitos. Em relação aos motociclistas, foram 485 mortes em 2024 e 354 em 2015. Nesse período de dez anos, só o número de mortos em motos subiu de maneira relevante –o resto ou caiu ou ficou no mesmo patamar.
Em 2024, foi atingido também o maior índice de probabilidade de um acidente fatal em relação à quantidade de motos em circulação: 8,4 mortes para cada 100 mil motos. Em 2016, o índice foi de 6,8.
Pilotar sobre suas rodas se consolidou como a forma mais letal de se locomover desde 2018, quando ultrapassou as mortes de pedestres, até então, mais recorrente nas ocorrências fatais.
A partir desse período, as principais vítimas do trânsito deixaram de ser pedestres entre 50 e 60 anos para se tornarem motociclistas com até 30 anos em colisões com outros veículos.
“A utilização de motocicletas no Brasil é o maior desafio contemporâneo para a segurança viária”, diz Flavio Adura, diretor-cientifico da Abramet (Associação Brasileira de Medicina do Tráfego). “A motocicleta oferece uma proteção muito limitada, o que explica em parte as altas taxas de morte e de internação”, continua ele, que cita cálculo recente de que o risco de morte por quilômetro percorrido é 16 vezes maior do que para ocupantes de automóveis.
Além da baixa proteção, o uso da moto como instrumento de trabalho aliado à desregulação desse mercado contribuem para o aumento do risco, segundo Gilberto Almeida dos Santos, presidente do Sindimoto (Sindicato dos Mensageiros Motociclistas, Ciclistas e Mototaxista Intermunicipal do Estado de São Paulo).
“As empresas exploram essa atividade sem verificar os parâmetros legais da profissão. São jovens sem experiência com direção como atividade remunerada que vão para as ruas submetidos a metas de entrega em troca de remuneração. É uma combinação mortal”, diz.
O motoboy Salu trabalha para uma empresa terceirizada que atende laboratórios e tem até duas horas para entregar o material colhido dos pacientes. “Tem que correr em uma velocidade que pode arriscar a gente”, diz. “Não piloto para mim, mas para os outros também.”
À necessidade de velocidade se somam a imprudência dos motoqueiros e o uso de celular para atender a corridas enquanto pilotam, segundo o presidente do sindicato. “A principal causa de acidente é a colisão lateral, o que está relacionado ao mau uso da sinalização do motorista e do motociclista ao mudar de faixa”, diz.
De acordo com o diretor da Abramet, mais de 20% dos motociclistas acidentados não têm habilitação. “Embora as motos representem um quarto da frota nacional, estão associados a um terço das mortes e mais da metade das internações hospitalares. Cada motociclista que morre no trânsito é uma vida que falhamos em proteger”, diz Adura.
Ao lado da moto estacionada na mesma praça na Vila Olímpia, Flávio Cordeiro, 28, repete a mesma resposta do colega e também diz dirigir pelos outros ao ser questionado sobre como lida com os riscos da atividade. “Tem que se agarrar a Deus e torcer para dar tudo certo. Saio de casa sem saber se vou voltar vivo.”
Motoboy há sete anos, ele conta que começou a trabalhar nas ruas após ser demitido do emprego como manobrista. “O salário era baixo e eu faço mais dinheiro agora. Moro no extremo sul de São Paulo e lá não há demanda de serviço, temos que sair de lá para trabalhar”, diz ele, que costuma rodar cerca de 200 km por dia.
É justamente a zona sul que reúne os distritos com maior concentração de acidentes fatais. O Jardim São Luis, à beira da marginal Pinheiros, na altura da ponte Transamérica, ocupa o topo da lista com 133 mortes, seguido pelo Grajaú (114), Jardim Ângela (102), Cidade Dutra (87), Campo Limpo (81) e Capão Redondo.
Importante via dessa região da cidade, a avenida Senador Teotônio Vilela, que liga os bairros de Interlagos e Parelheiros, aparece como a terceira via com mais mortes de motociclistas dos últimos dez anos, com 53 casos. Antes dela, lideram as marginais Tietê e Pinheiros, com 151 casos e o trecho urbano da rodovia Anhanguera (56).
Para Adura, os dados evidenciam que São Paulo não atingiu nível adequado de cidadania e educação no trânsito. “Nos países em desenvolvimento, a maior mortalidade ocorre com os mais vulneráveis das vias, diferente de países desenvolvidos que preservam quem corre mais risco nas ruas.”
Questionado sobre o levantamento, o Detran-SP informou que trabalha para aumentar a segurança viária e prioriza os públicos mais vulneráveis, em especial os motociclistas. No primeiro semestre deste ano, diz, houve 73,5% mais operações e aumento de 68,4% no número de condutores fiscalizados.
A prefeitura, por meio da Secretaria Executiva de Mobilidade e Trânsito e da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), destacou a implementação da Faixa Azul entre as iniciativas para garantir a segurança no viário urbano. Segundo a gestão Ricardo Nunes (MDB), o projeto diminuiu o número de óbitos de motociclistas em 47,2%, em 2024.