SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O mundo da música se despediu, nesta terça-feira, de Ozzy Osbourne, o lendário vocalista do Black Sabbath, aos 76 anos. Há apenas duas semanas, no início de julho, os integrantes originais da banda haviam se despedido dos palcos em seu último show no Villa Park, em Birmingham, no Reino Unido.

A morte de Ozzy, eternizado como um dos maiores astros do heavy metal, reacende uma discussão que há décadas intriga fãs e especialistas -o Black Sabbath, de fato, inventou o heavy metal?

Segundo Renato Oliveira, professor de música e bacharel em história, a resposta é um sonoro sim. “O rock era mais ‘leve’, e na virada dos anos 1960 para 1970, o som das bandas começou a ficar mais pesado”, afirma.

Nesse período de transição, enquanto o movimento hippie e a psicodelia dominavam as paradas, quatro jovens da classe operária de Birmingham -Ozzy Osbourne, Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward– gestavam algo radicalmente diferente.

Cansados da paisagem cinzenta de sua cidade industrial e influenciados por filmes de terror e ocultismo, eles começaram a forjar um som denso, sombrio e, por vezes, assustador.

Segundo Oliveira, a intenção era criar uma atmosfera mística e opressora, não só com as músicas, mas também com o visual da banda. “Por conta da maneira que Tony Iommi tocava, era natural eles soarem mais pesados. Eles eram uma banda com a sonoridade de um filme de terror”, diz o professor.

O álbum de estreia do Black Sabbath, lançado em 1970, é amplamente considerado o marco zero do heavy metal. A faixa-título, com seu “riff” de guitarra arrastado e distorcido, e as letras que evocavam um medo quase palpável, estabeleceram um novo paradigma musical. A banda mergulhava em temas como ocultismo, guerra, loucura e desespero, elementos que se tornariam pilares indissociáveis do gênero.

É fundamental reconhecer que nenhum estilo musical surge do nada. Bandas como Led Zeppelin, Deep Purple e Blue Cheer já flertavam com guitarras distorcidas e vocais potentes antes ou simultaneamente ao Black Sabbath.

“Led Zeppelin, com sua fusão de blues e rock, e Deep Purple, com teclados e ‘riffs’ marcantes, pavimentaram o caminho para a intensidade que definiria o heavy metal”, afirma Rafael Righini, professor e maestro.

No entanto, o que diferencia o Black Sabbath é a consistência na criação de um som mais denso, obscuro e intencionalmente “pesado”. Righini aponta um contexto crucial. “Quando os Beatles anunciam seu final, com o álbum ‘Let It Be’, exatamente em 1970, é o momento que essas bandas [Black Sabbath, Led Zeppelin e Deep Purple] se estabelecem”, ele lembra.

“Nesse momento, o som do rock começa a mudar. Enquanto os Beatles, em seu final, estavam indo para um caminho mais sutil, misturando o rock com orquestras, devido à influência do produtor George Martin, o heavy metal vai na contramão.”

O Black Sabbath, em particular, foi um dos primeiros a mergulhar de cabeça em uma sonoridade deliberadamente mais agressiva, sem muitas modulações e com a imponência do som como seu pilar central.

De acordo com Righini, a música é um “advento vivo”. “Não é estanque. Bandas e artistas mudam suas carreiras e mudam o cenário musical junto. O rock se separou em diversos subgêneros para poder distinguir a sonoridade e classificar cada um deles para o público”, diz o maestro, sobre a natural evolução e ramificação dos estilos musicais.

Ozzy Osbourne se tornou um ídolo, não só do gênero, mas de toda a indústria musical. Sua voz singular e sua persona de príncipe das trevas o tornaram a própria face do heavy metal. “Nas bandas existe um trabalho para conquistar o público com as diversas personalidades dos integrantes. O frontman tem a responsabilidade de ser o rosto do grupo”, afirma Righini.

“O Ozzy foi único nesse papel por encarar esse lado mais teatral com elementos do terror, da morte e do Diabo para brincar com a plateia. Quando ele subia no palco, encarnava um personagem único.”

Segundo ambos os especialistas, o caminho do rock teria sido completamente diferente sem a influência do Black Sabbath. Todas as bandas do subgênero que surgiram posteriormente foram, de alguma maneira, influenciadas por eles.

Então, o Black Sabbath inventou o heavy metal? Sozinhos, talvez não. Mas, sem eles, o metal certamente não teria se desenvolvido da mesma maneira e não se tornaria o que é hoje. “Com certeza, após mais de 50 anos de história, o Black Sabbath vai continuar sendo relevante para as gerações do rock por vir. Até hoje, as críticas que eles faziam nas músicas continuam relevantes” afirma Righini. “A arte é um marco de seu próprio tempo, mas, como no caso da banda, também consegue ser atemporal e continuar ecoando por anos.”