SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quase cinquenta anos após a morte de Francisco Franco, o governo de esquerda da Espanha propôs nesta terça-feira (22) um projeto de lei prevendo o fim automático do sigilo de documentos oficiais com mais de 45 anos, incluindo arquivos da ditadura franquista (1939-1975) e do período de transição democrática.

Batizada de Lei de Informação Classificada, a proposta ainda precisa ser aprovada pelo Parlamento e substituirá a Lei de Segredos Oficiais de 1968, criada durante o regime de Franco e ainda vigente.

A reforma é uma demanda histórica, especialmente do Partido Nacionalista Basco, mas enfrenta incertezas no Congresso, a Casa baixa do Parlamento espanhol, onde o governo minoritário do premiê Pedro Sánchez tem dificuldades para aprovar projetos.

“Insisto: desclassificação automática de toda a documentação classificada há mais de 45 anos, ou seja, anterior a 1980”, afirmou o ministro da Presidência, Justiça e Relações Parlamentares, Félix Bolaños, após o conselho de ministros. Ele ressaltou que o processo será gradual, dado o volume de documentos, e destacou que o cidadão tem direito à informação histórica, enquanto o Estado tem o dever de disponibilizá-la.

O texto determina que documentos produzidos após esse período tenham prazos máximos de sigilo: 60 anos para ultrassecretos, 45 para secretos, nove para confidenciais e cinco para restritos, salvo ameaças justificadas à segurança nacional. Além disso, estabelece que documentos relacionados a violações de direitos humanos ou crimes contra a humanidade não poderão ser confidenciais.

Tentativas anteriores de reformar a lei de 1968 fracassaram, inclusive uma liderada por Sánchez em 2020, interrompida com a dissolução do Parlamento em 2023.

Se aprovado, o projeto pode revelar capítulos ainda obscuros da história espanhola, como as relações de Franco com Adolf Hitler, o paradeiro de vítimas enterradas em valas comuns e o acidente nuclear de Palomares, em 1966. Também deve lançar luz sobre o conturbado período de transição democrática após a morte do ditador.

A proposta prevê ainda alinhar a legislação espanhola aos padrões europeus e tornar a classificação de informações uma exceção, não a regra. A Associação para a Recuperação da Memória Histórica (ARHM) pediu acesso irrestrito a documentos sobre a Igreja Católica e o rei emérito Juan Carlos, além da digitalização imediata dos arquivos, alertando para riscos de destruição ou adulteração.

A Anistia Internacional celebrou o avanço e apelou aos partidos para deixarem de lado suas diferenças e aprovarem rapidamente o projeto. “Esta lei pode mudar a história”, afirmou a ONG, que critica a atual legislação por dificultar investigações sobre crimes do franquismo e impedir o direito das vítimas à verdade, justiça e reparação.

Franco chegou ao poder após a guerra civil espanhola (1936-1939), que deixou centenas de milhares de mortos, e liderou uma ditadura na Espanha por quase 40 anos. Nenhum integrante do regime foi julgado após sua morte, devido à anistia ampla concedida na transição para a democracia.