(FOLHAPRESS) – É difícil saber o que pensa Eliane Caffé em seu novo filme, “Filhos do Mangue”. Começa com um homem, Pedro Chão -papel de Felipe Camargo- que caminha sem direção por uma praia. Logo ele é preso e levado por outros pescadores para uma reunião, onde as pessoas querem saber onde está o dinheiro de um roubo em que ele tomou parte.

Acontece que o homem perdeu, ou diz que perdeu a memória, o que altera toda a reunião. O que era uma assembleia para discutir o destino do dinheiro se torna uma briga entre homens e mulheres. As mulheres exigem seus direitos de homens que tergiversam. No privado, eles espancam suas mulheres.

Parece que a ideia de opor homens e mulheres não leva a muita coisa, de modo que, depois de meia hora, Pedro Chão é liberto e sai para uma vida doravante solitária.

Diga-se, a bem da verdade, ele esteve envolvido em tráfico de garotas para prostituição. Coisa bastante cruel, que parece envolver sequestro de garotas e tal. Vemos a sequência e fica a impressão de que o filme seria construído em flashbacks ou algo assim, mas é mera impressão -o barco aparece episodicamente, mas a coisa não vai adiante.

Desse momento e dessa associação do homem com a prostituição resultará talvez a mais bela sequência do filme. Pedro nada, sozinho; de repente para, afunda, como se fosse se afogar. Imediatamente aparece, também na água, o rosto de uma menina que tínhamos visto no barco, onde estava visivelmente controlada por outros homens. Dela ouviremos, em outro momento, outras atrocidades por que passou.

A memória é a identidade, diz alguém com o homem. A perda de memória é a da identidade. Se é assim, ele se empenha em recuperá-la: sobrevive, rema na sua canoa, como se procurasse algo.

Há o contato com a natureza, a compreensão da natureza como lugar de troca. Os caiçaras levantam a questão da ambição, de desejos descontrolados que levam, por exemplo, ao roubo. Ou à loucura. Pois talvez Pedro não se lembre, mas sua ex-mulher lembra que ele botou fogo na casa em que vivia na mesma ocasião em que, parece, perdeu a memória. Pouca coisa o liga a esse mundo que, afinal, era seu: a filha talvez o faça lembrar de alguma coisa.

Se o conjunto parece não raro confuso, os minutos finais são bem interessantes. De início, vemos Pedro no mangue, que passa em seu corpo a terra úmida, e mais gravetos e coisas assim, como se isso constituísse sua nova pele. É como se tentasse incorporar a sua antiga identidade. Em seguida, resgata uma rede do mangue. Depois, na praia, compõe uma trabalhosa, estranha escultura. Símbolo do quê?

Impossível saber. Do esforço, do trabalho, talvez. No entanto, essa coisa inútil se presta à admiração. É o grande trabalho de Pedro Chão, de certo modo: essa inutilidade.

Com isso, Eliane Caffé chega à preocupação metafísica que habita outros de seus filmes -não, certamente, ou apenas de forma marginal, o melhor deles, “Era o Hotel Cambridge”, de 2016.

De resto, não faltam ideias a este filme. Da vida na natureza à exploração dos ribeirinhos, passando pelos problemas das mulheres. No entanto, fica a impressão de que ou não entendi nada, ou, desta vez, a autora não conseguiu articulá-las.

FILHOS DO MANGUE

Avaliação Ruim

Classificação 14 anos

Elenco Felipe Camargo, Thiago Justino, Roney Villela

Produção Brasil, 2024

Direção Eliane Caffé

Onde ver Em cartaz nos cinemas