SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em meio à luta contra um câncer colorretal com metástases, a cantora Preta Gil, 50, que morreu neste domingo (20), viajou aos Estados Unidos em busca de alternativas da medicina de precisão, como terapias-alvo e imunoterapia, com um tratamento personalizado para o tipo e estágio do câncer que enfrentava, segundo especialistas.

Ainda indisponíveis para grande parte dos brasileiros, essas tecnologias vêm sendo testadas em centros de pesquisa no exterior e são apontadas como o futuro do tratamento oncológico.

“Tem muita gente indo para fora do país em busca de medicamentos baseados em medicina de precisão e novas tecnologias para tratamentos do câncer. Não sei especificamente qual o tratamento que ela foi buscar, mas deve ter ido atrás de um tratamento personalizado com essas novas tecnologias”, diz o oncologista Pedro Uson, do Hospital Israelita Albert Einstein.

Diagnosticada com câncer colorretal em janeiro de 2023, Preta Gil passou por tratamentos convencionais e aprovados para uso no Brasil antes de iniciar, nos Estados Unidos, uma terapia experimental em busca de alternativas que pudessem levar à remissão da doença, quando o câncer deixa de ser detectado, mas o paciente segue em acompanhamento.

Em maio, Preta mostrou em suas redes sociais que havia chegado a Washington, nos EUA, para seguir com o tratamento contra o câncer. Dois meses antes, já havia afirmado que tinha feito tudo o que estava ao seu alcance no Brasil.

Segundo Wesley Andrade, membro da SBCO (Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica), a cantora provavelmente foi incluída em um estudo clínico com um medicamento experimental, ainda sem nome comercial, associado à quimioterapia padrão.

Abordagens experimentais podem envolver, por exemplo, terapias-alvo, que usam medicamentos para bloquear mutações específicas do tumor, e imunoterapia, que estimula o próprio sistema imunológico do paciente a combater o câncer. As estratégias tendem a agir de forma mais precisa e causar menos efeitos colaterais do que a quimioterapia convencional.

“A terapia-alvo age como uma chave que se encaixa em uma fechadura específica da célula tumoral. Ao bloquear essa ação, conseguimos interromper o crescimento do câncer”, explica Andrade. “Quando o tumor tem determinado marcador genético, usamos uma droga que atua direto nele. Por isso, o tratamento costuma ter menos efeitos adversos do que a quimioterapia, que atinge células boas e ruins.”

Segundo Uson, algumas alterações genéticas do tumor, como a mutação KRAS, presente em cerca de metade dos pacientes com câncer colorretal, já são alvo de estudos nos Estados Unidos, que testam comprimidos e até vacinas para combatê-la.

“Nos últimos dez anos não temos novos quimioterápicos, mas sim imunoterapias, terapias-alvo e pequenas moléculas que agem diretamente nas mutações do tumor. A quimioterapia está ficando para trás, substituída pela medicina de precisão.”

O Brasil tem avançado na participação de estudos clínicos, o que tem ampliado o acesso às novas terapias. “Cerca de 80% dos estudos abertos nos Estados Unidos já estão disponíveis aqui. É uma conquista importante, mas ainda temos entraves, como a liberação pelos órgãos regulatórios, especialmente a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]”, diz Andrade.

Ele explica que muitos dos medicamentos testados em estudos clínicos não são novos, alguns foram desenvolvidos há décadas para um tipo de câncer e agora são avaliados para outras indicações. “Um bom exemplo é o Trastuzumabe, criado há mais de 20 anos para câncer de mama HER2 positivo, que hoje é testado para câncer gástrico e outros tipos. A medicina vem entendendo que diferentes tumores podem compartilhar características semelhantes.”

No Brasil, o tratamento do câncer colorretal envolve estratégias que podem eventualmente levar à cura, mas existe uma limitação de acesso às estratégias mais avançadas, desde a demora na aprovação de novos medicamentos até a limitação de ensaios clínicos, que são etapas essenciais para testar e disponibilizar novas drogas.

“A estratégia terapêutica envolve cirurgia, que Preta Gil realizou algumas, além de radioterapia e quimioterapia. Também temos no país tratamentos locais como quimioembolização, radioembolização e crioablação, que atuam diretamente nos tumores e têm sido cada vez mais usados”, afirma Uson.

Para Andrade, o objetivo do tratamento de um câncer metastático, como era o caso da cantora, não é sempre a cura, mas sim o controle da doença. “A chance de cura é remota. O foco passa a ser prolongar a vida com qualidade e aliviar os sintomas. Quando conseguimos reduzir o volume tumoral, os órgãos afetados voltam a funcionar melhor e o paciente ganha qualidade de vida.”

Ambos os especialistas reforçam que, apesar do avanço nas terapias, a prevenção ainda é a melhor forma de combater o câncer colorretal. A melhor forma de identificar o tumor é por meio do exame de colonoscopia. Especialistas e sociedades médicas indicam que ele seja feito a partir dos 45 anos como forma de rastreamento.

No SUS (Sistema Único de Saúde), no entanto, o exame só é feito mediante indicação médica, em casos sintomáticos ou com forte histórico familiar. “A colonoscopia de rastreamento, aquela feita em pessoas saudáveis a partir dos 45 anos, ainda não é oferecida. É um exame caro, que exige estrutura, mas salvaria muitas vidas”, afirma Andrade.