SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Venezuela está mais próxima de uma ruptura com o regime chavista do que de uma continuidade, afirma a economista Sary Levy.

Ela foi uma das responsáveis pelo plano econômico de Maria Corina Machado, a opositora de Nicolás Maduro que foi proibida de concorrer nas últimas eleições, em 2024.

O candidato que assumiu a chapa foi Edmundo González Urrutia, que perdeu em uma votação controversa, em que os chavistas não apresentaram as atas das urnas.

Sary Levy, hoje pesquisadora da Florida International University, veio recentemente a São Paulo para falar sobre o seu índice de burocracia dos países latino-americanos.

A economista fez sua carreira acadêmica na Universidad Central de Caracas, onde chegou a ser diretora da faculdade de economia. Inicialmente, seu campo de pesquisa era a macroeconomia, mas isso mudou, e ela passou a estudar o desenvolvimento de instituições.

“A situação venezuelana e a deterioração institucional que vivemos me levaram a entender a importância de valorizar esse tema, que antes eu dava por consolidado. Quando algo parece estar mais ou menos em ordem, não damos tanta importância. É um erro grave. Jamais devemos considerar que a força institucional está garantida”, afirma.

A economista dá um exemplo ainda do começo do regime chavista de como as instituições foram se degradando: os alunos reclamavam da dificuldade para conseguir trabalho, mas os dados mostravam que o desemprego estava em baixa.

Ela se debruçou sobre estatísticas, e, aparentemente, os números oficiais estavam corretos. Até que ela soube que os pesquisadores que iam a campo eram orientados a excluir da força de trabalho aqueles que recebiam benefícios sociais, mesmo se estivessem empregados ou buscando emprego. Isso diminuiu artificialmente o número de pessoas economicamente ativas, e o resultado era uma taxa de desemprego mais baixa.

Levy afirma que nunca foi oficialmente de nenhum partido, mas que quando se aposentou da universidade, em 2016, se sentiu mais livre para influenciar as discussões públicas sobre economia do país. Ela passou a aparecer mais nas rádios e TVs e ganhou alguma visibilidade. Foi assim que ela entrou no radar dos partidos de oposição.

Inicialmente, ela foi chamada a participar de reuniões em que estavam sendo discutidos os princípios do Vente Venezuela, o grupo de Maria Corina Machado.

No ano passado, Levy participou do plano de governo do Vente Venezuela. A ideia era apostar em uma retomada com base em áreas de produção em que o país já tem tradição, especialmente óleo e gás.

O plano era aumentar a participação da iniciativa privada no setor “porque o Estado venezuelano não tem condição de fazer isso, está quebrado, é preciso escolher entre recuperar a indústria do petróleo ou recuperar os cidadãos”.

Ela usou a expressão em espanhol “un tiro al piso”, ou seja, algo certeiro, para definir a chance de sucesso de uma retomada com base em crescimento da indústria pesada no país.

“A infraestrutura já está pronta, o investimento pesado já foi feito. Isso permite atrair capitais em setores de alto consumo de energia, como data centers. Também temos potencial para produzir aço e alumínio a um bom custo.”

Tudo isso, claro, ficou no papel, porque Maduro se manteve no poder. Até o ano passado, o regime estava se beneficiando da suspensão das sanções que os Estados Unidos haviam imposto.

O país tinha conseguido atrair investimentos e empresas do setor de óleo e gás, como a Chevron, voltaram a operar por lá. Isso aumentou a oferta de dólares na Venezuela e desacelerou a inflação.

Agora, a situação se reverteu. Donald Trump impôs novamente as sanções, e neste ano a inflação deverá ser de cerca de 200%, de acordo com as projeções da Universidade Católica Andrés Bello.

Levy afirma que a piora deste ano não foi uma reversão total de expectativas: “No ano passado, antes da reimposição das sanções, estávamos com 90% de inflação, então não estamos vindo do paraíso na Terra”.

Ela lembra que houve um repique de crescimento após o fim da pandemia em todo o mundo. No caso venezuelano, isso aconteceu junto com a presença da Chevron no país, o que afrouxou um pouco a pressão cambiária. Hoje, ela afirma, isso já se perdeu, e a diferença entre o câmbio oficial e o paralelo é de cerca de 35%.

Segundo a acadêmica, o país tem uma infraestrutura já instalada, e, por isso, seria possível voltar a crescer com rapidez. “Obviamente, para isso é preciso uma mudança de regime. Se nós seguirmos com o atual, não vejo futuro, só colapso e uma situação de empobrecimento cada vez pior. Eu digo com honestidade, não considero nem mesmo que haja capacidade de estabilização no curto prazo. Pelo contrário, acredito que podemos estar mais próximos de uma mudança de governo do que de uma aceitação do status quo. Há muita rejeição popular.”