da Redação

A recente decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de validar o decreto do presidente Lula que eleva as alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), vai além da esfera tributária: escancara uma dinâmica política em que o Judiciário se consolida como o principal fiador do Executivo.

Suspensa inicialmente por reação do Congresso Nacional, a medida voltou a valer após a falta de acordo em uma audiência de conciliação entre os poderes. Enquanto o governo argumentava que decretos são instrumentos legítimos para alterar o IOF, o Legislativo acusava o Planalto de esconder, sob o véu regulatório, um claro objetivo arrecadatório. A promessa do Executivo era de levantar até R$ 60 bilhões — e já se fala em mais: o Tesouro estima que serão necessários R$ 86,3 bilhões adicionais para fechar as contas até 2026.

O que chama atenção não é apenas o conteúdo da decisão, mas o caminho tomado até ela. Antes mesmo do parecer oficial, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já antecipava, com segurança, qual seria o desfecho. Em suas palavras: “É uma decisão que sai rápido e convergente com o que a gente precisa”. A precisão da previsão desperta suspeitas sobre o grau de informalidade e proximidade nas relações entre Executivo e Supremo.

Essa familiaridade é cada vez mais visível nos números. Segundo levantamento da Advocacia-Geral da União, divulgado pela Folha de S.Paulo, o STF e o STJ decidiram a favor do governo em 89% das ações desde o início da atual gestão — um índice de 99 vitórias em 111 processos. Em vez de negociar com o Congresso, o governo parece ter adotado o Judiciário como via rápida para alcançar seus objetivos.

Com isso, o papel político do STF se amplia, muitas vezes extrapolando os limites constitucionais. O caso do ministro Flávio Dino, que bloqueou e liberou emendas parlamentares como quem administra um cofre alternativo da União, é um retrato dessa nova configuração. Ao assumir funções que seriam do Parlamento, o Supremo fragiliza o próprio sistema de pesos e contrapesos.

No Congresso, a percepção é de que está sendo jogado para escanteio — o que pode gerar retaliações. Já se cogita a derrubada do veto presidencial ao aumento no número de deputados, uma medida considerada impopular e desnecessária, mas que, nas mãos dos parlamentares, se transforma em munição contra o Planalto.

Outras derrotas políticas já vêm sendo digeridas com pouca resistência do governo, como a liberação de R$ 30 bilhões em crédito subsidiado ao agronegócio e a flexibilização do licenciamento ambiental. Em ambos os casos, o Executivo recuou no Congresso, mas deve recorrer — novamente — ao STF para reverter o placar.

O cenário que se desenha é de um Executivo cada vez mais confortável em contornar o Legislativo e apostar todas as fichas na via judicial. Mas essa estratégia cobra um preço alto: desidrata o papel do Congresso, compromete a legitimidade do debate público e cria um ciclo vicioso de dependência institucional.