RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A Acadêmicos de Niterói, estreante no Grupo Especial do Carnaval do Rio de Janeiro em 2026, vai contar a história do presidente Lula (PT) no desfile do ano que vem.
O enredo foi anunciado no último dia 9, com o nome de “Do alto do mulungu surge a esperança: Lula, o operário do Brasil”.
A ideia da escola é discorrer sobre a trajetória de vida de Lula, como a infância em Pernambuco, a mudança para São Paulo e a sindicalização, mas não aprofundar na carreira política.
A Acadêmicos de Niterói estreou em 2023 no grupo de acesso logo abaixo do Especial, a Série Ouro. A escola adquiriu os direitos de desfile da Acadêmicos do Sossego, também de Niterói.
A Sossego abriu mão dos direitos de desfilar em 2023, o que possibilitou a Niterói a estrear, com outro CNPJ. Na prática, a primeira deixou de existir para a segunda ser criada: as cores (azul e branco), o símbolo (lira), a direção de Carnaval e boa parte dos componentes são os mesmos.
A Niterói foi campeã da Série Ouro em 2025, com enredo sobre a festa de São João de Maracanaú, no Ceará. A vitória surpreendeu o carnavalesco, espantou componentes e gerou desconfiança nas escolas rivais, que apontaram a ligação política da Niterói com a Liga RJ, entidade que organiza o desfile.
Hugo Júnior, presidente da Liga RJ, é ex-presidente da Acadêmicos de Niterói. Palhares, atual presidente da Niterói, é ex-presidente da Liga RJ. A dupla já havia presidido a Acadêmicos do Sossego.
A Acadêmicos de Niterói é uma das escolas que recebe patrocínio público de diferentes gestões. No último Carnaval, recebeu R$ 80 mil de subvenção do governo Cláudio Castro (PL), como todas as outras escolas do grupo, e também ganhou R$ 2 milhões da Prefeitura de Niterói.
Isso acontece com escolas que não são da capital, como a União de Maricá, que recebeu do governo estadual e da prefeitura local, e a Unidos do Viradouro, que recebe das prefeituras do Rio e de Niterói.
Procurada, a Prefeitura de Niterói afirmou que a subvenção às agremiações será mantida para 2026, mas que ainda não definiu valores.
O município disse que o apoio financeiro segue critérios técnicos, exige prestação de contas e que o enredo não interfere no valor. “A prefeitura respeita a liberdade criativa das agremiações, que têm total autonomia para definir os temas de seus desfiles”, afirmou, em nota.
O prefeito da cidade, Rodrigo Neves (PDT), é um aliado de Lula e foi apoiado pelo petista nas últimas eleições.
A Acadêmicos de Niterói criou um grupo de advogados para auxiliar na construção do enredo sobre o presidente, a fim de não incorrer em propaganda antecipada, já que 2026 é ano eleitoral.
A sinopse, texto responsável por guiar o carnavalesco na execução do desfile e os compositores na produção do samba, ainda está em desenvolvimento. O tema foi escolhido por Wallace Palhares, após a tentativa de um enredo patrocinado não ir à frente.
“É um enredo forte para uma escola que está chegando agora”, diz ele.
“A história precisa vir das coisas que a gente acredita. O time da escola é todo formado por pessoas que vieram de periferias e foram beneficiadas por programas sociais. Esse enredo casa com a identidade da escola e de seus componentes”, afirma Palhares.
Segundo ele, interlocutores como Neves e o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) levaram a ideia ao presidente, que autorizou o enredo. A comunicação da presidência foi procurada para comentar, mas não respondeu.
“Tem muita gente pedindo para desfilar e muita mensagem positiva. Os componentes estão bem felizes e até torcedores de outras escolas dizem que vão torcer para a Niterói também”, afirma o carnavalesco Thiago Martins.
O próximo Carnaval carioca será marcado por homenagens, especialmente nos enredos da Imperatriz Leopoldinense, sobre Ney Matogrosso, e da Mocidade Independente de Padre Miguel, sobre Rita Lee.
“Quando a ideia chegou, fiquei meio ‘assim’, mas pensei: ‘Se o Carnaval de 2026 vai ter tanta homenagem, por que não homenagear alguém que fez pelo povo?'”, diz o carnavalesco.
Especialistas em direito eleitoral afirmam que a princípio o enredo da Niterói não pode ser caracterizado como propaganda antecipada, mas há limites na forma como o desfile será executado.
“Se tivermos um setor do desfile com faixas, placas ou qualquer coisa evocando voto, ainda que indiretamente, teremos uma propaganda. No caso do presidente a trajetória política se confunde com a trajetória de vida. Há risco de judicialização, ainda que não no desfile inteiro, ao menos em trechos”, afirma a advogada Gabriela Schelp.
O advogado Arthur Richardisson afirma que homenagem, relato biográfico e crítica não caracterizam crime eleitoral, desde que não tenham elementos de pedido de voto, mesmo que de indireta.
“Vira ilicitude quando há faixas, placas, sambas-enredo, refrões, alegorias ou performances com expressões explícitas como ‘vote em Lula’, ‘Lula presidente’, menção a número de urna, ou qualquer outro conteúdo que estimule ou peça apoio eleitoral diretamente”, diz Richardisson.
“Focar na dimensão humana, social, sindical, histórica, pessoal e cultural do homenageado e não em sua condição de candidato, trajetória política ou pleitos futuros reduz consideravelmente o risco jurídico.”