SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) é investigado na Justiça em razão de sua atuação nos Estados Unidos, onde anunciou ficar desde março pedindo sanções contra autoridades brasileiras. Ele atrela o comportamento à pressão por uma anistia aos envolvidos nos ataques golpistas julgados no STF (Supremo Tribunal Federal).

Um dos beneficiados com a medida seria seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que é réu em uma ação penal sobre a trama golpista de 2022 para impedir a posse do presidente Lula (PT).

A atuação do parlamentar motivou a abertura em maio de um inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal) a pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República). A instituição alega que o comportamento do político no exterior deve ser investigado pelos crimes de coação no curso do processo, obstrução de investigação de infração penal que envolva organização criminosa e abolição violenta do Estado democrático de Direito.

A representação ressalta que a “tentativa de submeter o funcionamento do Supremo Tribunal Federal ao crivo de outro Estado caracteriza atentado à soberania nacional”, crime previsto no Código Penal. O inquérito está em andamento.

O ministro Alexandre de Moraes, que é relator do processo, afirmou em despacho neste sábado (19) que Eduardo “intensificou as condutas ilícitas” objeto da investigação, depois que Jair Bolsonaro foi alvo na sexta-feira (18) de medidas cautelares.

A atuação de Eduardo é relacionada por ele próprio à divulgação pelo governo dos Estados Unidos de sanções contra Moraes e colegas da corte, ademais de tarifaço imposto pelo país a produtos brasileiros.

Além de possíveis sanções na Justiça, o comportamento do parlamentar é passível de gerar cassação, segundo especialistas ouvidos pela reportagem. Isso porque vai na contramão do dever de um deputado federal, previsto no regimento interno da Câmara, de promover o interesse público e a soberania nacional.

Entenda em 4 pontos os crimes citados no inquérito contra Eduardo Bolsonaro por sua atuação no exterior.

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1 – COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO

Um dos crimes citados na representação é o de coação no curso do processo, previsto no artigo 344 do Código Penal. O crime trata do uso de violência ou grave ameaça contra autoridade ou envolvidos no processo judicial, policial ou administrativo a fim de favorecer interesse próprio ou alheio.

Esse seria o caso de Eduardo, que abertamente promove sanções contra autoridades ligadas à ação penal no STF que julga Jair Bolsonaro. A especificidade do caso, entretanto, pode dificultar o enquadramento, na opinião de alguns especialistas.

Isso porque o crime de coação foi pensado para atuações mais tradicionais, como ameaçar fisicamente o juiz envolvido no caso, explica Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio.

A pena prevista é de multa e reclusão de 1 a 4 anos, além de pena correspondente à violência.

2 – OBSTRUÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE INFRAÇÃO PENAL QUE ENVOLVA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

O crime está previsto no segundo artigo da lei 12.850, de 2013. O texto fala sobre promover, constituir, financiar ou integrar organização criminosa e cita penas para quem impede ou embarace a investigação.

A pena prevista é de multa e reclusão de 3 a 8 anos, sem prejuízo de outras penas correspondentes.

A tentativa de obstrução se aplicaria ao caso, na interpretação da PGR, porque Eduardo Bolsonaro estaria atuando no exterior para pressionar as autoridades a interromper a ação penal contra seu pai, condicionando abertamente a interrupção de sanções a uma anistia aos ataques golpistas.

3 – ABOLIÇÃO VIOLENTA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Previsto no artigo 359-L do Código Penal, esse crime tipifica o ato de tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado democrático de Direito, de maneira a impedir ou restringir o exercício dos poderes constitucionais.

A pena é de reclusão de 4 a 8 anos, além da pena correspondente à violência.

Para parte dos especialistas ouvidos pela reportagem, a atuação de Eduardo não se esquadria nesse crime, em razão de haver necessidade de violência ou grave ameaça.

Há aqueles, entretanto, que afirmam haver possibilidade de enquadramento, como Marcelo Crespo, professor e coordenador do curso de direito da ESPM, e Davi Tangerino, advogado criminalista e professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

Segundo Tangerino, seria possível considerar haver uma “invasão do Estado democrático” quando Eduardo atua por sanções que só parariam caso o presidente Lula interferisse no Legislativo e no Judiciário a favor de um perdão aos golpistas.

4 – ATENTADO À SOBERANIA

Previsto no artigo 359-I do Código Penal, o artigo tipifica como crime o ato de negociar com governo, grupo ou agentes estrangeiros com o objetivo de provocar atos típicos de guerra contra o país ou invadi-lo. A pena é de reclusão de 3 a 8 anos.

Para especialistas, esse é o crime mais complicado de enquadrar no caso de Eduardo Bolsonaro, segundo a letra da lei, porque o artigo é bem específico ao falar em “atos típicos de guerra”.

Marcelo Crespo, da ESPM, ressalta que atentado à soberania e abolição violenta do Estado democrático de Direito são crimes novos na legislação, o que aumenta o desafio da Justiça ao analisar os fatos.