SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Morreu neste domingo (20), aos 50 anos, a cantora Preta Gil. Ela recebeu um diagnóstico de câncer colorretal em janeiro de 2023 e lutava contra a doença desde então. A artista fazia um tratamento experimental nos Estados Unidos e, segundo informação publicada nas redes sociais do cantor Gilberto Gil, pai de Preta, ela morreu em Nova York.
Ainda em 2023, em dezembro, Preta anunciou a remissão da doença após um tratamento bem-sucedido. Em agosto de 2024, porém, a artista contou que o câncer havia voltado, um processo conhecido como recidiva.
Em muitos casos a recidiva pode ser mais desafiadora de tratar do que o câncer inicial, porque costuma indicar um comportamento biológico mais agressivo da doença. No caso de Preta, houve, naquele momento, metástase em quatro regiões: em duas estruturas do sistema linfático (linfonodos, que são estruturas de defesa do intestino); no peritônio, membrana que reveste órgãos como intestino, fígado e estômago; e no ureter, tubo por onde passa a urina.
O câncer colorretal se refere a tumores que se iniciam em parte do intestino grosso (cólon) e na porção final do intestino (reto). Cada vez mais frequente em adultos jovens, o câncer de intestino é um dos tumores mas comuns entre os brasileiros, segundo o Inca (Instituto Nacional do Câncer), com alta taxa de incidência também em todo o mundo.
Os exames de rastreamento são recomendados a partir dos 45 anos, mas o aumento dos casos entre os mais jovens tem preocupado especialistas.
Relatório publicado em janeiro de 2024 pela American Cancer Society (ACS) apontou que as taxas de câncer colorretal estão aumentando rapidamente entre pessoas nas faixas dos 20, 30 e 40 anos. Esse tipo de tumor em pacientes mais jovens também tende a ser mais agressivo e muitas vezes é identificado em estágios mais avançados.
O rastreamento se dá por meio do exame de sangue oculto nas fezes e, em caso positivo, deve ser feita a colonoscopia. Mas, diante do crescente aumento de casos, várias sociedades médicas passaram a recomendar a colonoscopia para todos os adultos com mais de 45 anos, mesmo que não tenham sintomas.
De início silencioso, como acontece com a maioria dos tumores, a doença costuma se manifestar com alterações no hábito intestinal (intestino que naturalmente é preso começa a ficar solto ou vice-versa), presença de sangue nas fezes, dores abdominais e alterações no formato das fezes, que ficam mais finas ou alongadas. Um dos maiores desafios é o diagnóstico precoce.
Além do componente genético, especialistas começam a investigar se existem fatores ambientais que causam câncer precoce. Alguns estudos pequenos sugerem, por exemplo, a ideia de que pacientes que desenvolvem câncer colorretal em idade precoce têm um desequilíbrio de bactérias “boas” e “ruins” no intestino.
O tratamento depende do estágio da doença. Nas fases iniciais, o câncer colorretal é tratado, na maioria das vezes, exclusivamente com cirurgia. Nos casos mais avançados, que acometem os linfonodos, o tratamento inclui também quimioterapia preventiva após a cirurgia. Já a doença que tem metástase é geralmente tratada com quimioterapia.
POR QUE PRETA GIL BUSCOU TRATAMENTO NOS EUA?
No último mês de maio, Preta Gil mostrou em seu Instagram que chegava a Washington, nos EUA, para dar continuidade ao tratamento. Antes, em março, ela já havia dito que “fez tudo o que podia” no Brasil e que por isso entrava numa “fase difícil, complicada”. “Minhas chances de cura estão fora do país”, disse Preta no Domingão, da TV Globo.
A diferença entre o tratamento nos EUA e no Brasil acontece porque, se por um lado a ciência biomédica permanece em marcha, com dezenas de novas drogas antitumorais sendo descobertas e testadas todos os anos, por outro existem sucessivos obstáculos para que essas inovações estejam ao alcance da população.
Entre os entraves estão o tempo de aprovação de registro, a inclusão no rol obrigatório de oferta pelos planos de saúde e a (não) decisão do que vai ser usado no SUS (Sistema Único de Saúde), do qual depende 70% da população brasileira.
O Brasil também ainda engatinha na oferta de ensaios clínicos, aqueles pelos quais obrigatoriamente as novas drogas passam antes de chegar ao mercado ou quando há novas indicações para elas.
Uma característica desses ensaios no Brasil e na maior parte do mundo é que todo o tratamento dos voluntários é custeado pela patrocinadora uma indústria farmacêutica, por exemplo. No caso de uma comparação com algum outro tratamento, ela é feita contra o padrão-ouro vigente, ainda que não esteja disponível no SUS, e esse custo também é do patrocinador.
Já nos EUA, onde há uma concentração de centenas de farmacêuticas, muitas com seus ensaios clínicos em andamento, a regra é outra: quem paga pelo tratamento base (incluindo internação, exames, consultas e procedimentos já previstos) é o plano de saúde.
A patrocinadora só banca a nova droga, e por causa dessa barreira financeira são raros os pacientes brasileiros que conseguem participar desses estudos nos EUA.
A discrepância entre Brasil e EUA também aparece em outras estatísticas. Um estudo apresentado na última edição do congresso da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica comparou a velocidade de aprovação de novas drogas pela FDA (agência reguladora dos EUA) e pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Nos EUA, a mediana (valor do meio em uma amostra ordenada) do tempo de aprovação foi de 184 dias; no Brasil o tempo é de 331 dias.