SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Morreu neste domingo (20), aos 50 anos, a cantora Preta Gil, empresária, apresentadora e um dos nomes mais populares da música e do mercado fonográfico brasileiro das últimas três décadas, que transitou por gêneros como axé, samba e pop. A informação foi confirmada à reportagem pela equipe da artista.

A artista recebeu um diagnóstico de câncer colorretal em janeiro de 2023 e tratava a doença desde então. Ela morreu em Nova York, segundo publicação feita pela família nas redes sociais.

Filha do tropicalista Gilberto Gil com Sandra Gadelha, Preta deixa o filho Francisco Gil e a neta Sol de Maria. O horário e o local de seu velório ainda não foram divulgados pelos familiares, que atualmente cuidam da repatriação do corpo da cantora.

“Pedimos a compreensão de tantos queridos amigos, fãs e profissionais da imprensa enquanto atravessamos esse momento difícil em família. Assim que possível, divulgaremos informações sobre as despedidas”, diz ainda a nota publicada no Instagram de Gilberto Gil.

Em agosto do ano retrasado, Preta havia afirmado que seu câncer havia se espalhado por quatro pontos -dois linfonodos na pelve, uma metástase no peritônio e um nódulo no ureter. Durante o tratamento, a artista viveu entre o Brasil e os Estados Unidos.

Enquanto realizava terapias, a artista chegou a participar da turnê “Nós, A Gente”, que uniu três gerações da família Gil no mesmo show, e ainda da turnê em que seu pai se despediu dos palcos, “Tempo Rei”. Em entrevista a este jornal, a cantora declarou que as apresentações faziam parte do seu processo de cura. “Estou enfraquecida, mas cada noite é uma dose de adrenalina, amor e afeto.”

Desde o momento que descobriu a doença, Preta não se distanciou do público, com quem manteve contato por meio de suas redes sociais. “Eu comento sobre tudo, se estou frágil ou triste, sou transparente. Como uma pessoa pública, posso dividir as minhas vulnerabilidades, não tenho por que fazer tipo na internet.”

Nascida em 1974, Preta Gil se equilibrou entre os holofotes e os bastidores. A carreira como produtora cultural começou aos 16 anos a convite de Zé Maurício Machline, na organização do Prêmio Sharp, atual Prêmio da Música Brasileira. Em seguida, foi convidada por Nizan Guanaes para trabalhar na agência de publicidade DM9.

A par das mudanças nas últimas décadas, presenciou o surgimento dos megafestivais, caso da primeira edição do Rock in Rio, em 1985. Nos anos 1990, trabalhou nas produtoras Conspiração e Dueto, onde criou videoclipes para Ivete Sangalo e Ana Carolina e dirigiu materiais de grupos como KLB e SNZ, tendo papel fundamental na popularização do formato no Brasil. Seus trabalhos incluem ainda produções como “Criança”, de Marina Lima, sua prima por parte de mãe.

Décadas depois, em 2017, fundou a empresa Music2Mynd, centrada em agenciamento de artistas e marketing de influência. Com ela, ajudou a impulsionar a figura do artista como criador de conteúdo nas plataformas digitais. Sua própria faceta de influenciadora alcançou mais de 12 milhões de seguidores no Instagram.

Além do dia a dia, com a divulgação dos projetos e conteúdo publicitário, Preta compartilhava mensagens relacionadas à valorização da autoestima feminina e às causas com que se engajava, caso da legalização do aborto. A cantora usou sua voz ainda para apoiar pautas dos movimentos LGBTQIA+ e negro.

Sua trajetória artística começou com o disco “Prét-A-Porter”, em 2003, projeto elaborado com outros herdeiros da MPB -Davi Moraes, filho de Moraes Moreira, Pedro Baby, filho de Baby do Brasil e Pepeu Gomes, Betão e Gil Aguiar, filhos do Paulinho Boca de Cantor.

“Esse disco mostra as minhas raízes, tanto as tropicalistas da MPB quanto o meu lado aberto, democrático e conectado”, ela escreveu na autobiografia “Preta Gil: Os Primeiros 50”, publicada em 2024. O trabalho traz “Sinais de Fogo”, composição de Ana Carolina e Antonio Villeroy e carro-chefe de seus shows até o fim da vida.

A capa, na qual posou nua, fotografada por Vania Toledo, teve muita repercussão. “Vivia no mundo da fantasia da tropicália, achava que todo mundo era como a gente, cabeça aberta. Achava que ninguém era racista. Nunca pensei que as pessoas pudessem ser conservadoras ou julgar os outros pelo modo como vivem ou por como são”, escreveu em seu livro.

Na época, aos 28 anos, enfrentou o moralismo da sociedade brasileira, que a repreendia por sua aparência e por seu despudor em relação à bissexualidade e à liberdade feminina. Foi a partir dali, no início dos anos 2000, que se envolveu com o debate feminista e antirracista.

Na sua discografia constam mais três álbuns autorais -“Preta”, de 2005, “Sou Como Sou”, de 2012, e “Todas as Cores”, de 2017, que traz colaborações com Gal Costa, Pabllo Vittar e Marília Mendonça. Ela ainda lançou dois discos ao vivo baseados nos shows “Noite Preta”, em 2010, e “Bloco da Preta”, em 2014.

No ano passado, ela lançou o EP “De Volta ao Sol”, enquanto se preparava para voltar aos palcos, mas os planos foram interrompidos pelo retorno do câncer.

A princípio, o projeto “Noite Preta” foi um evento para poucas pessoas no espaço Cinemathèque, em Botafogo, no Rio de Janeiro. Lançada em 2007, a empreitada trazia no repertório as canções dos discos, versões de clássicos da MPB e músicas de artistas pop da época, como Kelly Key. Com a adesão da plateia, o show migrou para a boate The Week, marco da noite gay paulistana, que fechou suas portas em 2021.

Em paralelo à carreira musical, Preta se arriscou como atriz -viveu um homem transexual no musical “Um Homem Chamado Lee”, em 2006, participou da novela “Os Mutantes”, da Record, no ano seguinte, e colaborou com diversos projetos da Globo, entre eles “Agora É que São Elas”, em 2003, “Ó Pai, Ó”, em 2008, e “As Cariocas”, em 2010. Ao lado da empresária Marlene Mattos, também criou o talk show “Caixa Preta”, em 2004, na Band.

Em sua autobiografia, Preta lembrou como o projeto valorizava sua negritude. “Tinha as bailarinas, as pretetes. Eram todas negras. Fiz uma matéria para uma revista cujo título era ‘poder para o povo preto’. Falava sobre empoderamento, mesmo sem esse termo existir na época.” A faceta de apresentadora ainda deu as caras em “Vai e Vem”, programa sobre sexo exibido no GNT, em 2010.

Nessas três décadas dedicados à cultura, Preta Gil foi uma a artista que acompanhou as principais transformações da indústria do entretenimento, seja como realizadora de projetos, seja conduzindo multidões em cima do palco.