SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Tendo morado a maior parte de sua vida no interior de São Paulo, não é de espantar que o escritor e roteirista Rubens Francisco Lucchetti, morto no ano passado, aos 94 anos, se sentisse intelectualmente solitário.

Seus últimos 29 anos, em Jardinópolis, uma cidadezinha com menos de 50 mil habitantes, poderiam ter agravado essa condição. Em 2015, porém, Lucchetti –um homem avesso a tecnologias e a novidades– conheceu e se rendeu ao Facebook.

“Ele sempre foi um cara muito fechado e muito tímido. Começou a perceber que a internet, de certa forma, dava uma coragem para ele, porque o pessoal comentava e ele se sentia fortalecido com isso”, afirma Rafael Spaca, pesquisador da vida e obra de Lucchetti.

Assim, Spaca reuniu os textos mais importantes que o autor escreveu na rede social e lança “R.F. Lucchetti – Posts – Pensamentos e Relatos Intelectuais do Mestre do Horror”.

“O Facebook fez bem demais para Lucchetti. Ele não fazia conta de quanto era amado. A partir do momento em que entrou nas redes sociais, o que ele passou a receber de visita… Gente do Brasil inteiro, que queria conhecer ele pessoalmente, ir à casa dele. Foi incrível”, lembra o pesquisador.

Lucchetti era considerado o papa da “pulp fiction” nacional, dos livros baratos, e era conhecido também por ter escrito o roteiro de uma série de filmes de Ivan Cardoso e de José Mojica Marins, o Zé do Caixão.

Escrevia desde ficção policial a romances eróticos, mas foi no horror que ele se destacou, sendo considerado um mestre desse gênero no Brasil. Em 2014, foi objeto de um perfil do New York Times com o título “Fábrica humana de ‘pulp fiction’ se torna um herói cult”.

Nessa época, contabilizou ter escrito 1.547 obras. Além de centenas de livros, muitas eram revistinhas de magia, receitas, interpretações de sonhos e horóscopos, encomendadas por pequenas editoras, assinadas por uma variedade de pseudônimos.

No Facebook, Lucchetti vendia exemplares de suas obras e contava histórias curiosas de sua carreira. O livro traz posts em que o escritor lembra sua infância, o primeiro texto publicado em um jornal, quando tinha 12 anos, e teorias sobre o horror e as “pulp fictions” em geral.

Lucchetti também contava algumas coisas pela primeira vez. “Ali, ele verbalizava coisas que não costumava dizer”, diz Spaca. Uma dessas é um post lembrando uma ida ao cinema em 1974, para assistir “Exorcismo Negro”, de Mojica Marins, cujo roteiro era de sua autoria.

“Quando vi os créditos iniciais do filme e vi meu nome creditado apenas como coargumentista e meu roteiro ser creditado a um alienígena, a alguém que nunca soube o que é horror, falei para minha esposa: ‘Vamos embora!’. Deixei a sala espumando de raiva. Só diria que alguns picaretas sujam o meio. São vermes travestidos de produtores, diretores e editores. Moscas ainda têm certa serventia. Alimentam-se do lixo. Sem elas, as baratas e os ratos, o lixo já teria tomado conta da Terra. Agora, esses senhores não servem para nada. É tudo deprimente nesse filme.”

O projeto gráfico de “Posts” aproveita a estética pobre das “pulp fictions” e o papel usado no livro parece ser de jornal. A obra, vendida pela Amazon, é da editora Madrepérola. Há posts com temas repetidos, mas o organizador justifica sua utilização.

“É para mostrar o quanto ele queria voltar naquele assunto e, às vezes, era quase a mesma versão, mas ele acrescentava uma ou duas linhas. Para ele, aquele assunto ainda não estava esgotado. Era uma forma de remoer. Ele tinha um pouco de mágoa de algumas coisas”, diz Spaca, que também é autor de outro livro sobre o escritor, “Conversações com R.F. Lucchetti”, de 2015.

A página Rubens Francisco Lucchetti segue no Facebook, atualmente alimentada pelo filho do roteirista, o também escritor Marco Aurélio Lucchetti.

R.F. Lucchetti – Posts – Pensamentos e Relatos Intelectuais do Mestre do Horror

Preço: R$ 89,90 (186 págs.), na Amazon

Autoria: Rafael Spaca

Editora: Madrepérola