PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Na hora em que as portas dos EUA parecem se fechar para o Brasil, a Temporada França-Brasil 2025 cumpre um papel imprevisto: mostrar novas possibilidades de intercâmbio para a cultura e a ciência. Os mais de 300 eventos da programação, do mês que vem até o final do ano, criam “oportunidades de um elo, em todos os níveis, entre duas sociedades que já são próximas”, disse à Folha Anne Louyot, comissária-geral da temporada.
“Cabe a nossos presidentes decidir isso”, acrescenta a diplomata francesa, referindo-se à política externa de Lula e Emmanuel Macron. “Mas estou convencida de que há coisas a fazer no contexto extremamente tenso que conhecemos. A Europa precisa trabalhar com a América Latina.” Louyot ressalta que, em visita à França em junho, Lula propôs a inclusão da palavra “multilateralismo” no dicionário da Academia Francesa.
Quando Lula e Macron propuseram um ano cultural “cruzado” para comemorar o bicentenário de relações diplomáticas entre Brasil e França, a conjuntura internacional era outra. Donald Trump ainda não havia conquistado seu segundo mandato. Hoje, com os EUA menos atraentes para artistas e cientistas do mundo inteiro (mesmo americanos), eventos como a temporada ganham um novo significado.
A comissária faz questão de dizer que a temporada que comanda não é um “festival”, embora haja “necessariamente aspectos festivos”, como espetáculos musicais. Os eventos estão divididos em três temas centrais, que muitas vezes se sobrepõem. Os nomes dos temas dão uma ideia das preocupações dos organizadores: “democracia e globalização justa e inclusiva”, “diversidade e diálogo com a África” e “clima e transição ecológica”.
Quem espera a França dos clichês, tipo “Emily in Paris”, vai se surpreender. A temporada dará, segundo Anne Louyot, “visibilidade a uma França menos conhecida dos brasileiros”. Não só europeia, mas também africana, caribenha e até amazônica -pois, como os franceses fazem questão de lembrar, o país que tem a maior fronteira com a França é o Brasil, via Guiana Francesa.
As dimensões política, inclusiva e ambiental da temporada ficam evidentes na escolha de Brasília, São Paulo e Belém, respectivamente, como sedes dos eventos de abertura, em agosto.
Na capital federal, uma série de espetáculos e debates chamada Convergências reunirá jovens franceses e brasileiros para discutir problemas atuais, como a luta contra a desinformação. Na capital paulista, o Sesc Pompeia abrigará a exposição “O Poder de Minhas Mãos”, com obras de artistas mulheres da diáspora africana. Em Belém, o seminário Conexões Amazônicas debaterá a colaboração científica entre Brasil e França, às vésperas da COP30, marcada para novembro na capital paraense.
A temporada será uma oportunidade para conhecer a obra de artistas como Édouard Glissant (1928-2011), poeta da Martinica, ilha francesa do Caribe. Sua coleção será exposta no Instituto Tomie Ohtake a partir de 2 de setembro.
Nomes mais conhecidos dos brasileiros também estarão presentes. A orquestra da Ópera de Paris se apresentará no Rio, em São Paulo e Curitiba em setembro e outubro. O Museu do Ipiranga vai expor as gravuras originais de Jean-Baptiste Debret (1768-1848), que documentou o horror da escravidão no Brasil do século 19, revisitadas por 15 artistas brasileiros. A mostra fica até outubro em Paris, na Maison d’Amérique Latine.
A relação entre França, Brasil e África estará presente durante toda a temporada. O Festival Nosso Futuro, que será aberto por Lula e Macron em novembro em Salvador, reunirá jovens e intelectuais franceses, brasileiros e africanos para discutir inclusão social e igualdade de gênero.
Em setembro, a Bienal de São Paulo, em parceria com o Institut Français e curadoria do camaronês Bonaventure Soh Bejeng Ndikung, trará um panorama da produção contemporânea francesa, com ênfase na contribuição caribenha e africana.
Anne Louyot cita como exemplo a “absolutamente genial” Minia Biabiany, artista francesa de origem guadalupense cuja obra questiona o pós-colonialismo. “A temporada é dirigida a todo mundo. Ela precisa contribuir para que os dois países trabalhem juntos, engajando as duas sociedades civis”, conclui a comissária.