BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) apresentou, na tarde desta quinta-feira (17), sua defesa à Justiça Federal a respeito das regras estabelecidas para a licitação do terminal Tecon Santos 10, no porto de Santos (SP), que foram contestadas pela empresa Maersk.
O edital elaborado pela Antaq se baseia em um modelo de licitação em duas fases para o que deve ser o maior leilão portuário da história do Brasil. Na primeira, empresas que já operam no porto ficam impedidas de participar. Caso nenhuma concorrente nova apresente proposta válida nesta etapa, abre-se a segunda fase, permitindo a entrada dos atuais operadores.
Na prática, os grupos Maersk, MSC e CMA CGM ficariam de fora da primeira etapa. Paralelamente, se entrassem na segunda, só poderiam ganhar o novo terminal se assumissem o compromisso de abrir mão dos terminais existentes que já controlam.
No posicionamento à Justiça, a agência diz que a empresa omitiu informações a respeito do processo licitatório. “É impositivo que sejam feitos alguns apontamentos preambulares, de molde a evidenciar que a impetrante [Maersk] sonegou momentos e passos importantes da cronologia do arrendamento Tecon Santos 10”, afirma a Antaq.
A agência foi questionada judicialmente, por suposta restrição de competição nas regras previstas na licitação. A Maersk pede a suspensão do processo e a realização de nova audiência pública, sob o argumento de que houve mudanças substanciais e inesperadas nas regras do edital, especialmente a introdução de restrições à participação de atuais operadores portuários, incluindo a própria empresa.
A Antaq refuta a versão e afirma que a licitação vem sendo debatida desde 2019, além de sustentar que o modelo concorrencial foi objeto de múltiplas análises técnicas e jurídicas e discutido com a sociedade.
A agência afirma, em sua resposta, que o projeto passou por duas audiências públicas, em 2022 e 2025, nas quais foram recebidas centenas de contribuições, muitas delas sobre as regras de concorrência e a verticalização de mercado.
“Este arrendamento é amplamente debatido, tanto pelos órgãos governamentais como pela sociedade, pelo menos desde o ano de 2019”, declarou a agência. “Significa dizer que todos os pontos de vista foram devidamente recepcionados e considerados; não se pode dizer que o debate tenha favorecido esta ou aquela visão.”
Como mostrou a Folha de S.Paulo, uma avaliação técnica feita pelo TCU (Tribunal de Contas da União) sinaliza um respaldo da corte de contas às regras incluídas pela Antaq. A agência afirma que as medidas têm objetivo de evitar a concentração de mercado.
A Maersk declarou, por meio de nota, que “defende regras claras no edital do Tecon Santos 10, que garantam a livre concorrência e estejam à altura da competitividade desse ativo estratégico para o país”.
Segundo a empresa, “vetar a participação de empresas com ampla experiência internacional, responsáveis pela gestão de alguns dos portos mais eficientes do mundo, sem estudos aprofundados que respaldem essa decisão, reduz significativamente o potencial do projeto no maior porto da América Latina”.
Segundo a Antaq, a decisão de dividir o leilão em duas fases, impedindo que atuais operadores participem da primeira rodada -condicionando sua eventual participação na segunda à desistência de ativos que já controlam no porto não foi tomada de forma abrupta.
De acordo com a agência, a medida foi recomendada por órgãos como a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE/MF), com base em preocupações com concentração de mercado.
A Antaq afirma ainda que o tema da concorrência foi objeto de estudo pela Superintendência de Regulação da agência, que avaliou os riscos de práticas anticoncorrenciais.
“A restrição não representa inovação inesperada, mas desdobramento lógico e natural das discussões técnicas, econômicas e jurídicas que permearam todo o processo licitatório”, afirmou a agência.
A agência também sustenta que uma nova audiência pública exigida pela Maersk não se justifica. Para a Antaq, as alterações feitas após a última audiência, de 2025, foram pontuais e não descaracterizaram o projeto como um todo, que teria mantido a mesma estrutura técnica, jurídica e econômica submetida ao debate público.
Segundo a agência, exigir nova audiência para cada ajuste tornaria os processos licitatórios intermináveis.
A manifestação ainda apresenta precedentes em que a Antaq impôs restrições à participação de empresas em licitações portuárias, inclusive no próprio porto de Santos, como nos casos das áreas STS14, STS08A e STS13A. Essas cláusulas, argumenta a Antaq, são instrumentos legítimos de defesa da concorrência e do interesse público.
Por fim, a agência argumenta que o pedido de suspensão da licitação é “prematuro”, já que o edital ainda está em fase interna e depende de avaliação pelo TCU e pela procuradoria do Ministério de Portos.
Nesta sexta-feira (18), após a publicação desta reportagem, a Maersk fez uma nova manifestação à Justiça, em resposta às informações prestadas pela Antaq. No documento, ao qual a reportagem teve acesso, a empresa reafirma seus argumentos e rebate as alegações feitas anteriormente pela agência.
O objetivo empresa é reforçar a tese de que houve “vício procedimental” na elaboração do edital do leilão do Tecon Santos 10 e pressionar pela concessão de uma liminar que suspenda o processo de licitação, até que seja realizada uma nova audiência pública com as regras restritivas devidamente debatidas.
A empresa alega que a agência violou o processo regulatório ao introduzir, de forma inédita e sem debate público adequado, restrições concorrenciais que impactam diretamente a lisura e a competitividade do certame.
Segundo a Maersk, a principal irregularidade consiste na criação de um modelo em duas fases. Para a Maersk, essa restrição foi inserida após a audiência pública que discutiu o edital, impedindo qualquer manifestação da sociedade ou dos interessados sobre a medida.
A empresa diz que o próprio diretor-geral substituto da Antaq reconheceu que a estrutura em duas fases “é uma novidade” nunca antes aplicada em leilões de arrendamentos portuários pela agência.
A Maersk sustenta que essa mudança abrupta e sem precedentes compromete a transparência, além de violar o direito à ampla participação no processo licitatório.
Outro ponto central das alegações é a falta de fundamentação técnica ou normativa para justificar a proibição. A Antaq afirmou que a medida estaria baseada em “sólidas pesquisas, reflexões e normas”, mas, segundo a Maersk, não há estudo ou norma citada formalmente no ato administrativo que imponha a restrição.
Na esfera política, o governo do estado de São Paulo chegou a enviar um ofício ao Ministério dos Portos e Aeroportos criticando a recomendação da Antaq. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) também critica o que seria uma restrição de competitividade. O ministro Silvio Costa Filho, seu colega de partido, evita comentar o assunto, para não abrir conflito com Tarcísio, mas tem entendimento inverso sobre o leilão.
O Tecon 10 será instalado em uma área do bairro do Saboó, em Santos. O projeto é que seja multipropósito, movimentando contêineres e carga solta. A capacidade vai chegar a 3,5 milhões de TEUs por ano (cada TEU representa um contêiner de 20 pés), o equivalente a um acréscimo de mais de 50% em relação à atual movimentação de contêineres do porto.
Durante os primeiros 25 anos de concessão, os investimentos em infraestrutura são estimados em mais de R$ 5,6 bilhões, com geração de cerca de 3.300 empregos diretos na execução do projeto. Será o maior terminal do tipo no país.