SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Passageiros adotaram mudanças na rotina por medo de se tornarem vítimas dos ataques a ônibus que vêm ocorrendo no estado de São Paulo. Só na capital paulista, 482 ônibus foram alvo de pedradas entre junho e julho. Em todo o estado, são mais de 750 casos.

Cuidados adicionais passaram a ser tomados ao entrar no ônibus, segundo relatos ouvidos pelo UOL. A reportagem conversou com passageiros que passam pelo Terminal Bandeira, no centro da cidade. O local recebe linhas de todas as regiões da capital, inclusive da zona sul, área com maior incidência de casos, segundo investigações da polícia.

“Sentar na janela nem pensar”. Morador de Mauá, no Alto Tietê, um garçom que não quis se identificar afirmou que optou por mudar o seu lugar habitual dentro do ônibus. Ele passa pouco tempo no veículo, já que faz a maior parte do trajeto de trem e metrô. Ainda assim, sente medo. “Agora eu só vou no meio. É muito perigoso, não dá para arriscar”, afirmou.

“A gente nunca espera que algo assim vá acontecer”. Maria Conceição de Oliveira, 65, pega a linha 2002-10 todos os dias. Agora, além de evitar as janelas, também deixou de ficar sentada nos ônibus.

“Quando pegamos um ônibus, geralmente é para trabalhar, não é a passeio. Para você ter noção, eu nem me sento mais. Entro no ônibus e fico em pé. Não é nem porque vai cheio, é porque, se jogam uma pedra na janela, pelo menos não bate na minha cabeça”, disse Maria Conceição de Oliveira, passageira.

“Não entendo por que a polícia não pega”. Morador da zona sul, Renato (que só se apresentou pelo primeiro nome) trabalha como segurança no centro. Ele começou a ver os casos de ônibus apedrejados pela televisão, mas sentiu a situação se aproximar dele nesta semana, quando um amigo estava dentro de um veículo atingido no Jabaquara à luz do dia.

“Não tem mais nem hora para acontecer. É de dia, é de noite, eu não entendo por que a polícia não pega”, disse Renato, passageiro de ônibus no terminal Bandeira.

Apesar do clima de medo, nem todos mudaram hábitos. A pesquisadora Jaqueline Galdino, 31, afirmou ao UOL que, apesar de acompanhar os relatos sobre de depredação, não presenciou casos de violência no trecho que faz diariamente entre o bairro de Moema, na zona sul, e o centro. “Por enquanto, esses casos não têm chegado no caminho que eu faço”, afirmou.

SUSPEITO SÃO INVESTIGADOS POR TENTATIVA DE HOMICÍDIO

Oito pessoas foram presas por relação com ataques a ônibus no estado. A polícia tem qualificado os casos como tentativa de homicídio pelo risco causado aos passageiros. Não há, até o momento, um balanço do número total de feridos, mas uma criança foi uma das pessoas atingidas por estilhaços na capital.

Caso mais grave foi de mulher que precisou de cirurgia. A passageira de 31 anos estava dentro de um veículo na avenida Washington Luís, no bairro do Campo Belo, na zona sul, quando foi atingida em 27 de junho. Ela teve fraturas no rosto e precisou de ajuda médica, mas não corre risco de morrer.

FROTA NÃO FOI AFETADA, DIZEM EMPRESAS

As viações são as responsáveis pelos reparos aos ônibus danificados. No momento em que um veículo é depredado, outro carro precisa ser alocado para assumir a linha. Caso contrário, há risco de multa —-o valor da multa não foi divulgado.

Cidade de São Paulo tem 12.024 ônibus operando e outros 1.312 de reserva, diz SPTrans. Ao UOL, a SPUrbanuss explicou que todas as garagens, por lei, precisam ter 8% da frota de veículos composta por ônibus de reserva técnica. Os carros são colocados em operação quando outro veículo é quebrado. “A substituição é imediata, para não causar prejuízos aos passageiros”, afirmou o sindicato.

AS LINHAS DE INVESTIGAÇÃO DA POLÍCIA CIVIL

Disputas de espaço entre empresas de ônibus e rixas entre grupos sindicais rivais são as principais hipóteses para os ataques, segundo apuração do UOL. Uma terceira hipótese, menos provável, é de que fóruns no Discord estariam reunindo jovens e promovendo os apedrejamentos. Em nota, a Polícia Civil afirma que monitora plataformas digitais porque suspeita que os crimes sejam articulados pela internet.

Conflito entre empresas envolveria gestão de rotas e repasses. A disputa acontece em torno dos bilhões de reais destinados ao transporte público todos os anos. Só a Prefeitura de São Paulo aportou R$ 6,5 bilhões para essas empresas em 2025.

Sindicato nega que disputas internas sejam a causa dos incidentes. Ao UOL, o presidente do Sindmotoristas explicou que a oposição contesta decisões, mas descarta que esses crimes tenham sido cometidos por rivais internos.

Envolvimento de membros ligados ao crime organizado não é descartado. Contudo, é pouco provável que o PCC tenha articulado os ataques. O modelo do grupo criminoso preza pela discrição para atuar, e fontes especializadas avaliam que chamar a atenção atrapalharia o negócio ilegal. Apesar disso, a participação de criminosos faccionados não é descartada.