SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Organizações da sociedade civil pedem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vete o projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental, aprovado pela Câmara na madrugada desta quinta-feira (17).
O Observatório do Clima, rede que reúne mais de uma centena de organizações ambientais, afirma que o texto é o maior retrocesso ambiental legislativo desde a ditadura militar.
“Agora, o presidente Lula tem prazo de 15 dias úteis para vetar o projeto na íntegra, porque não há como salvar o texto com vetos pontuais”, diz.
O Greenpeace Brasil também pediu o veto presidencial e criticou a aprovação pelos deputados. “Esse resultado demonstra que nossos parlamentares estão mais preocupados em destruir do que aprimorar a legislação ambiental, esvaziando a capacidade do Estado de prevenir e mitigar os impactos de obras Brasil afora”, afirma em nota.
“Na prática, é como se tivessem autorizado um médico a fazer uma grande cirurgia sem antes cursar a residência e sem antes consultar o paciente”, compara o Greenpeace.
Já a Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais) comemorou a aprovação do projeto pelo Congresso e afirmou que a legislação representa um “marco histórico” e não abre mão da proteção ambiental.
“A aprovação da Lei Geral de Licenciamento Ambiental é uma excelente notícia para o Brasil. Ganhamos em celeridade, em segurança jurídica e, sobretudo, em desenvolvimento. A legislação não precariza o meio ambiente ao contrário, ela garante critérios técnicos e objetivos, dando mais eficiência ao processo e reduzindo entraves burocráticos”, avalia Flávio Roscoe, presidente da Fiemg.
Um parecer técnico assinado por duas referências acadêmicas no licenciamento ambiental e divulgado na última segunda-feira (14) afirma, por sua vez, que o PL atual é uma “oportunidade desperdiçada de reforma ambiental” e traz riscos concretos à proteção, à segurança jurídica e à governança pública.
De acordo com a análise, faltam critérios para as simplificações do processo e, em vez de propor uma solução técnica, o PL legitima a aplicação da Licença por Adesão e Compromisso, o chamado autolicenciamento, em que o empreendedor faz uma declaração pela internet sem apresentar qualquer estudo ambiental.
A avaliação conclui que o projeto de lei é “profundamente limitado” e falha em responder de forma satisfatória aos problemas que pretende enfrentar. Em vez de harmonizar regras, o texto tende a agravar a fragmentação normativa, ao delegar competências aos entes federativos sem estabelecer critérios nacionais.
O Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) repudiou a aprovação do PL e alertou para o risco de aumento do desmatamento, ataques aos direitos de comunidades indígenas e maior exposição a desastres ambientais.
A organização aponta para o risco de enfraquecimento da credibilidade internacional do Brasil em temas climáticos, como a realização da COP30, conferência das Nações Unidas em Belém, em novembro.
“No momento em que o Brasil se prepara para um dos eventos mais importantes para o futuro da humanidade, a COP30 em Belém, nosso Congresso nos brinda com uma agenda que vai na contramão de nossa liderança global: um PL que usa o correto pretexto de simplificar, para tornar o processo de licenciamento ambiental no Brasil menos transparente e mais arriscado para o meio ambiente”, afirma André Guimarães, diretor executivo do Ipam, em nota à imprensa.
O presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais), Rodrigo Agostinho, também mostrou preocupação com os efeitos da proposta para a COP30. “Votar o projeto de licenciamento em ano de COP é um equívoco”, afirmou à Folha de S.Paulo antes da aprovação pela Câmara.
“Eu gostaria de ver quem dos deputados e deputadas que votaram a favor do projeto de lei da devastação, que alterou o licenciamento ambiental, terão coragem de aparecer em Belém durante a COP30”, provocou Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, em postagem em rede social.
“É muito comum autoridades que colocam selinho verde e aparecem durante as conferências do clima pagando de ambientalista, pagando de gente que se importa com o nosso futuro, mas que na hora das escolhas difíceis ou até fáceis, porque esse PL estava muito claramente contrário ao ambiente fazem escolhas ruins. Então não apareçam, por favor”, afirma.
A ONG Conectas criticou o esvaziamento de participação popular no rito do licenciamento, da forma como o projeto está proposto.
“A união de interesses que patrocinou essa proposta insiste em desafiar decisões do STF [Supremo Tribunal Federal] e a tutela de direitos fundamentais em nome de um modelo exploratório que remonta ao período colonial”, diz o advogado Gabriel Sampaio, diretor da organização.
“É fundamental expressar ao presidente da República a necessidade do veto ao projeto de lei, para que sejam retomadas as bases racionais para o debate legislativo e com a sociedade sobre essa matéria”, defende Sampaio.
A Fundação SOS Mata Atlântica alertou para o impacto da flexibilização da Lei da Mata Atlântica, um dos pontos do projeto de lei. “Alterar um sistema legal comprovadamente eficaz é institucionalmente temerário e juridicamente questionável, colocando em risco os compromissos assumidos pelo Brasil perante o Acordo do Clima e as COPs da biodiversidade e do clima”, diz, em nota.
O WWF Brasil também pediu o veto ao projeto e reiterou as críticas às mudanças na legislação do bioma. “Em uma ironia de mau gosto, o ‘PL da Devastação’ derruba mecanismos importantes da Lei da Mata Atlântica no Dia de Proteção das Florestas, colocando em risco o bioma mais desmatado do país”, afirma.