RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Rodrigo Simas não tem o biotipo que se esperaria de um hippie clássico. Seu corpo musculoso traz indícios de alguém que tem uma alimentação regrada e que treina em academia, o que em nada condiz com o estilo de vida com mais desleixo e desapego dos homens da geração “paz e amor” no fins dos anos 1960.

Mas a escolha do galã para protagonizar uma nova montagem de “Hair”, em cartaz no Rio de Janeiro, de certa forma traz um elemento de atualização do espetáculo. Isso, inclusive, deixa claro ao espectador que a peça mostra personagens de um passado que não voltará, mas quer debater o mundo contemporâneo.

O cuidado com o corpo vem a calhar, já que o elenco usa bastante o físico com as diversas coreografias do espetáculo. “Eu poderia estar até muito maior, se estivesse malhando enlouquecidamente ou tomando alguma coisa para crescer. Sempre gostei de esportes e de malhar, e isso me ajuda em cena”, diz Simas, que em um dos trechos mais famosos do espetáculo deixa à mostra bem mais do que os músculos, quando todo o elenco fica nu diante da plateia.

“Não tenho questão com o nu, já que ele tem um porquê na história. É uma metáfora, e isso tira a cena do lugar da nudez explícita sem propósito”, ele afirma.

Em meio a vários colegas de cena escolhidos por rigorosos testes, Simas interpreta Berger, membro de um grupo de hippies que condena a Guerra do Vietnã e defende a liberdade para amar e usar drogas, além de uma sociedade menos consumista. Entre muita dança e interação com o público, o elenco canta versões traduzidas de hits da peça muito lembrados ainda hoje, como “Aquarius” e “Good Morning Starshine”.

O próprio Simas mostra seu poder e bom treino vocal em algumas músicas. “Sempre quis trabalhar artisticamente minha voz, mas é algo que não era muito prioridade da minha vida”, diz. “Mas eu e meu irmão [o ator Felipe Simas] já tivemos uma preparação vocal com a série as ‘Aventuras de José e Durval’ [de 2023, da Globoplay]. Aí foi me levando para esse lugar, então quando chegou a chance, mergulhei com tudo.”

A peça é a segunda adaptação capitaneada pela dupla Charles Möeller e Cláudio Botelho a partir do material escrito em 1967 por Gerome Ragni e James Rado e musicado por Galt MacDermot. A montagem original fez um barulho inédito entre a juventude sessentista, pelos temas, as canções e a ousadia no palco.

No Brasil, não foi diferente: “Hair” estreou em 1969, sob direção de Ademar Guerra, com um elenco que incluía Armando Bógus, Aracy Balabanian, Helena Ignez, Sônia Braga e Neusa Borges. Também foi um sucesso inquestionável e, após um bom tempo fora do radar dos produtores teatrais, voltou aos palcos brasileiros pelas mãos dos próprios Möeller e Botelho em 2010, com Hugo Bonemer e Igor Rickli no elenco.

“Esta é uma versão completamente diferente da última que fiz”, conta Möeller. “O mundo, nos últimos 15 anos, passou por coisas inéditas, inclusive uma pandemia. O que norteou esta montagem foi o teatro, a ideia de fazer um ‘Hair’ que se passasse em um lugar utópico, e o meu é o teatro”, diz. Tanto é assim que o cenário remete justamente a um palco teatral, embora os figurinos sejam mais puramente inspirados nas vestimentas e adereços dos tempos do “flower power”.

Simas diz que percebe semelhanças entre a realidade dos anos 1960 e a de 2025, no que diz respeito às guerras em curso e ao ressurgimento de ideais conservadores. “A peça continua tendo uma grande importância. Infelizmente, a gente não avança em vários aspectos e vive hoje situações em que ‘Hair’ faz muito sentido.”

O ator, que há dois anos declarou ser bissexual, diz acreditar que certas liberdades de sua geração tiveram caminhos abertos pelos hippies e que aquela juventude ganha alguma continuidade hoje com os movimentos identitários. “Eu acho, sim, que existe essa conexão, pela busca de direitos igualitários e de respeito consigo e com o próximo. A luta por um lugar mais feliz.”

Nesse ponto, porém, o diretor pensa diferente do ator. “Os hippies fizeram talvez o primeiro êxodo maciço das casas dos pais para viver em uma sociedade alternativa, idealizada. A geração ‘woke’ não tem essa força, não é um movimento. Jamais saiu da casa dos pais, fica no Twitter dando uma régua moral e muitas vezes fascista de algo que começa bem-intencionado, mas que, hoje em dia, beira a loucura”, diz Charles Möeller.