Da Redação
Depois de um breve avanço, o Brasil retorna a um cenário preocupante: o país reapareceu entre os 20 com maior número absoluto de crianças não vacinadas no mundo, segundo relatório divulgado por Unicef e OMS. Agora na 17ª colocação, o Brasil viu saltar para 229 mil o número de crianças que não tomaram sequer a primeira dose da vacina contra difteria, tétano e coqueluche (DTP1) em 2024 — mais que o dobro do registrado no ano anterior, quando 103 mil não foram imunizadas.
Essa dose, aplicada por meio da vacina pentavalente, é considerada um dos principais indicadores de acesso à imunização infantil. Embora a cobertura tenha subido de 84% (em 2022) para 91% no último ano, o dado ainda está aquém dos padrões históricos brasileiros. Entre 2000 e 2012, o país chegou a alcançar coberturas de até 99%.
A volta de doenças já controladas
O impacto da queda na imunização começa a aparecer nos dados epidemiológicos. Em 2024, o Brasil registrou 7.438 casos de coqueluche — salto alarmante em relação aos 764 casos de 2000. O avanço da doença é interpretado como um reflexo direto da cobertura vacinal irregular em diversos estados.
Situação mundial também preocupa
No mundo todo, mais de 14,3 milhões de crianças não receberam nenhuma dose de vacina no ano passado. E outras 20 milhões iniciaram, mas não completaram, o esquema básico de imunização. Nas Américas, sete países apresentaram cobertura inferior a 80% na aplicação da vacina tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola).
Conflitos armados, colapso institucional, escassez de vacinas e o subfinanciamento de programas de saúde foram apontados pelas entidades como os principais obstáculos à vacinação global. Segundo o Unicef, mais da metade das crianças não imunizadas vivem em países em crise prolongada.
Os desafios brasileiros
Apesar de não viver uma crise humanitária, o Brasil enfrenta um conjunto complexo de fatores que dificultam o avanço da vacinação: desinformação, desigualdade no acesso aos serviços de saúde, resistência à vacinação e, paradoxalmente, o sucesso das vacinas.
Para o pediatra e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri, muitos pais deixam de vacinar os filhos porque já não veem os efeitos das doenças — justamente graças às campanhas bem-sucedidas do passado. “O risco se torna invisível, e a busca pela vacina perde prioridade”, alerta.
Kfouri também faz um alerta sobre a forma como os dados são divulgados. A lista da OMS e do Unicef considera números absolutos, sem levar em conta o tamanho da população infantil de cada país. Assim, países populosos como o Brasil tendem a ocupar posições elevadas no ranking, mesmo que as coberturas percentuais sejam melhores que em outras nações menores.
Ainda assim, o dado mais alarmante é o número de crianças fora do radar do sistema de saúde, que não chegam a ser vacinadas nem registradas. “Esse é o grande desafio num país tão desigual: garantir que ninguém fique para trás”, afirma.
A vacina DTP no Brasil
No calendário do Programa Nacional de Imunizações (PNI), a vacina DTP faz parte do esquema básico infantil. Ela deve ser aplicada em duas doses de reforço: aos 15 meses e aos 4 anos, complementando as três doses iniciais da vacina pentavalente administradas aos 2, 4 e 6 meses de idade.
Apesar de sua eficácia e segurança, a DTP tem enfrentado quedas de cobertura nos últimos anos. A reversão desse cenário exige não só campanhas de conscientização, mas também investimento em infraestrutura, formação de profissionais e estratégias de busca ativa para alcançar as crianças mais vulneráveis.
O recado dos dados é claro: vacinação é uma política pública essencial — e precisa ser fortalecida com urgência.