BRASÍLIA, DF E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Membros do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e aliados enxergam lobby de empresas de bandeiras de cartão de crédito e de big techs por trás da pressão dos Estados Unidos sobre o Pix brasileiro.
Na investigação comercial aberta pelo governo Donald Trump contra o Brasil, o Pix virou alvo como uma possível prática desleal do país em relação a serviços de pagamentos eletrônicos.
Amanda Athayde, consultora do Pinheiro Neto Advogados, diz não haver fundamento jurídico por trás do questionamento dos EUA.
“O Pix é uma política pública que melhorou a concorrência em um mercado que passou a ser um dos mais competitivos e dinâmicos do mundo”, diz Amanda.
A estratégia do governo será defender o Pix, de acordo com auxiliares de Lula ouvidos pela reportagem. Um deles disse que a população virá junto com o governo no apoio ao sistema, dada a sua popularidade.
A rapidez com que o Pix foi adotado pelos brasileiros impactou o negócio de plásticos, como são chamados os cartões no mercado bancário, com representantes como Visa e a Mastercard.
“O Pix passou a ser alvo dos Estados Unidos porque altera significativamente a dinâmica do setor financeiro, que é dominado globalmente por empresas privadas norte-americanas”, diz Daniel Blanck, sócio-proprietário da BB Law.
De acordo com o especialista em direito bancário, sistemas de pagamento são considerados infraestrutura crítica, pois, se mais países adotarem soluções nacionais, os Estados Unidos perdem influência sobre mecanismos de transação financeira, que hoje são ligados ao dólar.
O governo Lula busca se tornar menos dependente da moeda americana em transações internacionais, desenvolvendo mecanismos de transferências sem a moeda dos EUA com a China. Além disso, o Banco Central brasileiro abriu o código fonte do Pix para autoridades monetárias de outros países. A Colômbia, por exemplo, aderiu aos pagamentos instantâneos com base na experiência brasileira.
Peru, Chile e México também estudam a adoção. Além disso, China e Índia já possuem sistemas semelhantes operados por entes privados.
“O Pix é um sistema eficiente, barato e seguro, sem depender de empresas americanas. Outros países podem adotar o mesmo modelo e isso coloca em risco o soft power dos EUA sobre a economia global”, diz Thays Murta, sócia do César Fiuza Advogados.
Dados do Banco Central mostram que o avanço dos cartões no mercado brasileiro perdeu ímpeto após a implantação do Pix, especialmente na modalidade débito, substituída pelos pagamentos instantâneos.
Desde o lançamento, ao fim de 2020, o volume transacionado no Pix aumentou 50 vezes, em termos nominais. No mesmo intervalo, o uso de cartões também cresceu, mas não chegou a dobrar, crescendo 64%. As transferências por TED (Transferência Eletrônica Disponível), muito utilizadas por empresas, lideram no país e tiveram alta de 34% no período.
Outra ameaça ao setor é o Pix parcelado, uma espécie de empréstimo pessoal com juros menores, que permite ao cliente pagar à vista no Pix, mas arcar com o custo em parcelas mensais junto ao banco.
Para o governo, por trás da pressão liderada pelo governo de Donald Trump, há também uma intenção em discutir a privatização do Pix.
Antes do lançamento do Pix, em 2020, o Banco Central retardou o aval ao WhatsApp Pay, uma funcionalidade do aplicativo de conversas que permite enviar e receber dinheiro entre usuários diretamente pelo app, inicialmente operado pela empresa de maquininhas Cielo.
Quando a autorização veio, o Pix já havia tido enorme sucesso, o que causou descontentamento à Meta, dona de várias plataformas como Facebook, Instagram e WhatsApp, que havia investido pesado na sua funcionalidade de pagamento instantâneo.
O incômodo de integrantes do setor de cartões aumentou com a agenda de produtos e funcionalidades associados ao Pix implementada pelo BC brasileiro, caso do Pix Garantia (que permite uso de recebíveis pelo sistema como garantia de crédito), Pix Parcelado e Pix Automático (pagamentos recorrentes).
Procuradas, as bandeiras de cartões se manifestaram via Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços).
“A Abecs tomou conhecimento e está avaliando e acompanhando, juntamente aos seus associados, os desdobramentos do tema com atenção dentro de sua esfera de atuação”, diz em nota.
Procurados, Meta e Banco Central disseram que não vão comentar.