BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Senado adiou para agosto a conclusão da votação da PEC (proposta de emenda à Constituição) que cria novas regras para precatórios, como são chamadas as dívidas judiciais da União, dos estados e dos municípios.

A PEC foi aprovada pelo plenário apenas em primeiro turno nesta quarta-feira (16). O placar foi de 62 votos a 4. Antes da votação dos destaques (sugestões de mudanças) e da votação em segundo turno, a sessão foi interrompida sob risco de derrubada da regra que tratava dos precatórios do governo federal.

O texto, aprovado na véspera na Câmara, permite a retirada dessas dívidas judiciais da União do teto de gastos e a criação de uma transição de dez anos para que esses pagamentos entrem na meta fiscal.

A inclusão dos precatórios da União na proposta de emenda não caiu bem no Senado. No meio da tarde, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, se reuniu com líderes e o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), para pedir apoio ao texto aprovado na Câmara.

À Folha de S.Paulo, Tebet disse que a alteração dá segurança jurídica e garante o cumprimento da meta do resultado primário para ano que vem.

Alcolumbre interveio a favor do governo e tirou a PEC da relatoria do senador Carlos Portinho (RJ), líder do PL, passando-a às mãos do líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA). Mesmo com a mudança, Alcolumbre paralisou a votação ao perceber que a oposição conseguiria votos para impedir a inclusão dos precatórios da União.

A votação começou logo depois de circular pelo Congresso a informação de que o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), manteve parcialmente o decreto do governo que mexeu em alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), e do veto, pelo presidente Lula, do aumento no número de deputados.

A PEC 66 de 2023 tratava, originalmente, apenas de dívidas dos municípios com precatórios e com seus regimes de previdência. O texto já tinha passado Senado, onde foram incorporadas também regras para os estados. Na comissão especial que o discutiu na Câmara, entraram também os precatórios da União.

A transição aprovada na PEC na Câmara prevê que anualmente sejam incluídos na meta 10% do total dos precatórios. Ao fim de dez anos, o valor total está dentro da meta.

Para todos os entes, a correção monetária dessas dívidas deixa de ser a Selic (taxa básica de juros) e passa a ser a inflação oficial medida pela IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) mais 2%, com a possibilidade de aplicação do índice menor.

Como antecipou a Folha de S.Paulo, a área econômica aproveitou a PEC para buscar uma solução para o precatórios, despesas que têm uma trajetória crescente e vem limitado o espaço para os gastos com investimentos e custeio da máquina administrativa, chamados de discricionários, no Orçamento federal.

O texto que veio da Câmara e foi aprovado nesta quarta no Senado manteve alterações nas regras de pagamento de precatórios de estados e municípios que vão retardar o pagamento dessas dívidas aos credores e podem gerar uma bola de neve de aumento do endividamento dos governos regionais, de acordo com especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo. A proposta foi uma demanda dos prefeitos.

O texto relatado pelo deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP) teve o apoio de entidades como a FNP (Frente Nacional de Prefeitos) e da CNM (Confederação Nacional dos Municípios). Essa última encabeçou a PEC no Senado.

As entidades só não conseguiram incluir na PEC a previsão de um prazo para que os municípios tivessem prazo de 36 meses para que os regimes próprios dos municípios adotassem critérios de elegibilidade, cálculo e reajuste que sejam semelhantes à regra da União. Se não fizessem suas reformas, passariam a ser usadas as regras da União.

O presidente da Comissão de Estudos de Precatórios do Instituto de Advogados de São Paulo, Marco Antonio Innocenti, classificou a PEC como escandalosa e passível de judicialização. “Não se pode remunerar os precatórios com um índice menor do que o governo, o estado e o município cobram na execução dos seus créditos contra os particulares, contra as empresas, contra as pessoas. O Supremo diz que não pode fazer isso”, diz.

Relatório do economista-chefe da XP Asset, Fernando Genta, chama a atenção para o risco de a PEC gerar uma bola de neve de endividamento nos estados e municípios com as mudanças no pagamento de precatórios. O projeto reduz o percentual da RCL (Receita Corrente Líquida), que é o dinheiro que efetivamente entra nos cofres públicos após descontos obrigatórios, que deve ser reservado para esses pagamentos.

Vitor Boari, da Comissão de Precatórios da seccional paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), calcula que a fórmula proposta na PEC faça com que a capital paulista passe a separar 2,5% da Receita Corrente Líquida para os precatórios. Hoje, o município para 5%. “Já não fechava a conta e agora que não fecha mesmo.”

Jucilene Santos, vice-presidente da Comissão Especial de Precatórios do Conselho Federal da OAB, considera a PEC uma manobra que fragiliza credores de precatórios e não resolve o passivo de estados e municípios.

“Longe de constituir uma solução estrutural, a PEC 66/2023 mascara a real dimensão da dívida pública e transfere o problema para as próximas gestões, ampliando o risco de uma crise fiscal ainda mais grave nos próximos anos”, afirma.

ENTENDA O QUE MUDA COM A NOVA PEC DOS PRECATÓRIOS

**Como ficam os pagamentos de precatórios (dívidas decorrentes de decisão judicial) da União?**

– A partir de 2026, as despesas com precatórios saem do teto de gastos do arcabouço fiscal (a regra para as contas públicas)

– A partir de 2027, precatórios passam a contar na meta fiscal de resultado primário das contas públicas maneira escalonada

– A regra de transição prevê 10% dos precatórios na meta a cada ano

– Correção monetária passa a ser pelo IPCA + 2% ou Selic, o que for menor

**Como ficam os precatórios de estados e municípios?**

– Desvinculação da Receita Corrente Líquida para o pagamento de precatórios, hoje em 5%

– Entes terão índices entre 1% e 5% fixados a partir do estoque de precatórios em 31 de dezembro

– Percentual será revisto em 2036

– Valores serão corrigidos por IPCA + 2% ou Selic, o que for menor

**O que muda na Previdência Social?**

– As dívidas dos estados, municípios e do Distrito Federal com o Regime Geral da Previdência Social poderão ser parceladas

– Parcelamento em até 300 meses (25 anos)

– Correção considera IPCA + juros reais de 0% a 4%

– Parcela limitada a 1% da RCL mensal média

– Redução de 40% de juros e encargos legais e 25% dos honorários advocatícios da União

**O que muda no PIS e Pasep?**

– Receitas dos regimes próprios de previdência não entram na base de cálculo de PIS e Pasep

**O que muda para os fundos públicos e o BNDES?**

– De 2025 a 2030, até 25% do superávit de fundos públicos da União poderão ser usados para o financiamento de projetos estratégicos ou financiamento reembolsável a projetos de enfrentamento à mudança climática. O BNDES é o principal beneficiário porque é o banco responsável pela gestão do Fundo Clim