BARRA MANSA, RJ (FOLHAPRESS) – A instabilidade política, a poluição do ar e a desigualdade de renda podem fazer a pessoa envelhecer mais rápido. É o que mostra um novo estudo internacional conduzido em 40 países, incluindo o Brasil, e publicado nesta semana na revista científica Nature Medicine.

Não existe um consenso claro sobre o que é a velhice dentro da comunidade médica. De maneira geral, o que preocupa médicos e especialistas não é o avanço da idade, mas a perda de funções e de autonomia dos seus pacientes, que pode variar a depender do contexto.

Em termos científicos, esse contexto pode ser traduzido no exposoma, um conceito definido como o conjunto de todos os fatores aos quais estamos e fomos expostos ao longo da vida. Por exemplo, estar exposto a altos níveis de poluição sonora causa diferentes prejuízos para nossa vida, alguns imediatos, mas outros dentro de tantos anos no futuro que podemos não nos dar conta de sua real causa.

O que a nova pesquisa revela é o grande efeito de determinados fatores sociais abrangentes sobre a nossa saúde. Esses fatores incluem aspectos ambientais —má qualidade do ar, por exemplo—, sociais —como desigualdade econômica ou de gênero—, e políticos —falta de representação política, fragilidade democrática, limitação partidária.

Embora não haja uma relação direta entre tais fenômenos, o estudo mostra que o impacto indireto é significativo. Em relação à política, por exemplo, existe um comprometimento na alocação de recursos e na promoção da saúde universal em países com menores oportunidades de participação democrática que amplia as disparidades na saúde.

Para chegar a essas conclusões, os cientistas analisaram os dados coletados de mais de 160 mil pessoas, em 40 países. Primeiro, toda essa informação foi usada para treinar um modelo de inteligência artificial e aprendizagem de máquina que fosse capaz de predizer a idade de uma pessoa dadas as suas características. Em seguida, esse algoritmo foi usado para predizer às cegas a idade da população em cada país.

Os resultados foram expressos em termos de “diferenças de idade biocomportamentais (BBAGs)”, ou seja, a diferença entre a idade real de um paciente e a idade prevista com base nos seus dados de saúde, cognição, educação, funcionalidade e presença de fatores de risco para diferentes doenças. Se a diferença de anos que o algoritmo estipula é maior do que o real, a população está mais envelhecida do que deveria.

Entre os resultados, enquanto a Europa e a Ásia apresentaram taxas menores de envelhecimento —isto é, uma população parecendo mais jovem—, países africanos, como Egito e África do Sul, mostraram características mais acentuadas da velhice.

O Brasil, por sua vez, está no meio dos dois extremos, com idades previstas um pouco mais altas do que os valores reais.

Eduardo Zimmer, professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e pesquisador financiado pelo Instituto Serrapilheira, coordenou a coleta e o tratamento dos dados dos brasileiros envolvidos no estudo. Para o especialista, uma consequência dos resultados é o entendimento da necessidade de soluções coletivas de fortalecimento da democracia, combate às mudanças climáticas e progresso econômico.

O pesquisador destaca também a contribuição brasileira para um estudo dessa monta, que ajuda a inserir o país na vanguarda do desenvolvimento científico. Zimmer pretende agora usar o modelo para investigar como esses fatores afetam as realidades regionais do Brasil de formas desiguais.

Cada vez mais, estudos científicos estão olhando para os diferentes impactos da realidade socioeconômica em que vivemos sobre nossa saúde. Neste ano, o professor Zimmer conduziu um outro estudo que aponta a baixa escolaridade como o principal fator de risco para o declínio cognitivo entre idosos brasileiros, que pode levar a casos de demência.

No Brasil, a falta de oportunidades de estudo não só está associada a uma menor reserva cognitiva dos pacientes, mas também a um menor nível de renda, e, consequentemente, menor qualidade de acesso à serviços de saúde.

A degradação do meio ambiente também é um aspecto de grande relevância na determinação da qualidade do nosso envelhecimento. Paulo Villas Boas, professor e pesquisador da Unesp (Universidade Estadual Paulista), explica que altos níveis de poluição ambiental, por exemplo, aumentam a quantidade de casos de doenças respiratórias entre idosos.

Um estudo americano publicado neste ano na revista Jama mostra justamente esse fenômeno. A pesquisa analisou os dados de mais de 10 milhões de beneficiários do sistema de saúde americano coletados entre 2006 e 2016 e mostrou que existe uma correlação direta entre a exposição à fumaça e o aumento das hospitalizações entre idosos com mais de 65 anos. Todas as outras possíveis causas analisadas foram descartadas.

Segundo Zimmer, é importante olhar para as causas apontadas por todas essas pesquisas para desenvolver políticas públicas capazes de corrigir os seus efeitos nocivos. “Ajudar o país a tomar decisões corretas para garantir uma melhor saúde e um melhor envelhecimento da nossa população: eu acho que esse é o grande objetivo final da ciência.”