SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um estudo europeu relacionou o tamanho de estruturas cerebrais com sinais de psicopatia. Nele, os pesquisadores concluíram que volumes menores em regiões ligadas ao lobo frontal e estruturas subcorticais poderiam estar envolvidos em comportamento disfuncionais em pessoas com características de transtorno de personalidade antissocial (TPAS), conhecido informalmente como psicopatia.
Intitulado “Associations of brain structure with psychopathy” (Associações da estrutura cerebral com psicopatia, em português) e publicado pelo European Archives of Psychiatry and Clinical Neuroscience, o estudo utilizou a escala de classificação “Psychopathy Checklist” (PCL-R), que é separada em dois fatores.
O primeiro diz respeito a questões interpessoais e afetivas, ao passo que o segundo avalia comportamento impulsivo e antissocial. Os resultados mostram que apenas o segundo fator teve relações com o volume de áreas corticais e subcorticais.
Um dos autores do estudo, o neurocientista Peter Pieperhoff, explica que “estudos comportamentais mostram que alguns dos traços do fator um, como comportamento instrumental e manipulador, não são necessariamente expressões de disfunções. Portanto, pontuações elevadas dessas características podem não ser necessariamente causadas por déficits estruturais”.
Para chegar à associação, a pesquisa comparou um grupo de 39 pessoas com pontuação acima de 20 em uma escala de psicopatia e outros três grupos controle. No entanto, o estudo admite que uma limitação importante foi a falta de controle de fatores sociais, como uso de substâncias químicas. Os únicos fatores de inclusão foram sexo, idade, lateralidade (pessoas destras) e língua falada.
“Estudos anteriores mostraram que traços psicopáticos são, em certo grau, hereditários. Mas, tanto o trauma infantil, outras lesões cerebrais traumáticas e o uso de substâncias podem obviamente ter um forte impacto no comportamento ou condição psíquica em geral, e são relevantes especificamente neste grupo, mas é difícil diferenciar cada influência individual”, afirma Pieperhoff.
A psiquiatra Juliana Belo Diniz, especialista em pesquisa clínica pela Universidade Harvard e pesquisadora no Serviço de Psicoterapia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (IPq-HC-USP), aponta o não controle do nível educacional e socioeconômico como uma falha grave.
“A associação [entre estrutura cerebral e psicopatia] é verdadeira, só que ela tem um furo que é, não necessariamente, quem tem associação estrutural é psicopata, e tem psicopata que não tem nada disso. Então não é uma coisa de causa e efeito direta”, afirma.
Para ela, apesar da associação se repetir em diversos estudos e ser real, ela não explica o fenômeno como um todo. Principalmente pelo desenvolvimento cerebral em condições adversas, como por exemplo de privação de diversas ordens, se difere do desenvolvimento cerebral em outras condições.
Diniz cita que, a correlação entre estruturas cerebrais e comportamentos de personalidade antissocial não são uma novidade. Estudos sobre o volume pequeno da amígdala estrutura cerebral responsável por processar emoções como o medo e a agressão e a psicopatia foram pioneiros por anos. Mas a tese acabou sendo esquecida pela sua precariedade explicativa.
Ela também cita Adrian Raine, psicólogo britânico autor do livro “A Anatomia da Violência” (Editora Artmed), que advoga contra o punitivismo, partindo do pressuposto que a relação entre alterações no cérebro e comportamentos psicopatas, bastante representadas na população prisional.
Apesar de Pieperhoff afirmar que o estudo não visa tirar a responsabilidade de ninguém pelos seus próprios comportamentos, algumas interpretações podem levar a essa afirmação e discussão da culpabilização do indivíduo e o livre arbítrio.
“Existe esse discurso não punitivista, mas toda vez que a gente faz uma associação como se existisse um determinismo biológico, a gente corre muito risco de cair numa ideia de eugenia. Isso é sempre perigoso”, complementa Diniz.