SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Associação Brasileira de Operadores Logísticos (Abol) entrou na Justiça pela suspensão imediata da aplicação da norma que estabelece a preferência dos Correios na prestação de serviços para órgãos da administração pública federal. A entidade alega que a medida não possui respaldo na Constituição Federal nem na Lei de Licitações e representa violação à isonomia e à livre concorrência.
A ação foi protocolada na Justiça Federal em Brasília e é o primeiro movimento formal do setor logístico contra a norma sancionada em julho de 2024.
A legislação contestada -originada do Projeto de Lei 2.721 de 2023- determina que órgãos públicos federais priorizem os Correios e a Telebras sempre que necessitarem de serviços postais ou de conectividade. Segundo o texto, só em casos de comprovada inviabilidade técnica ou econômica é possível recorrer a empresas privadas.
A Abol defende que os serviços de logística -que abrangem gestão de transporte, movimentação, armazenagem e controle de estoque de mercadorias- são uma atividade econômica em sentido estrito, típica da iniciativa privada, e não um serviço postal.
Na ação judicial, a Abol sustenta que a lei extrapola os serviços que os Correios podem oferecer sem licitação. A entidade cita decisão de 2009 do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu que o monopólio dos Correios se restringe a atividades específicas como cartas e cartões postais.
O serviço de encomendas, por exemplo, não faz parte desse monopólio exclusivo e, portanto, deveria ser operado em regime de livre concorrência. Além disso, a entidade defende que os preços dos Correios nem sempre são compatíveis com os de mercado, comprometendo a economicidade das contratações -ou seja, a relação custo-benefício para a população.
Na petição, a Abol também pontua a inclusão da logística de medicamentos e insumos estratégicos de saúde entre os serviços preferencialmente contratáveis diretamente. A associação alega que os Correios não têm atribuição legal originária nem qualificações técnicas e sanitárias adequadas para prestar esse tipo de serviço altamente especializado.
A entidade cita como exemplos parcerias recentes nas quais os Correios teriam subcontratado empresas privadas especializadas que, em algumas situações, não possuíam autorização da Anvisa (agência de vigilância sanitária) para atuar no local.
Para a associação, a medida do governo impacta especialmente as empresas que atuam com entregas especializadas, como medicamentos, e que têm grande parte da receita proveniente de contratos públicos.
“Essa decisão pode causar, ainda, outros danos ao mercado, como aumento de preços e queda na qualidade dos serviços de logística de medicamentos e, portanto, saúde pública -além de fechamento de empresas”, afirma Marcella Cunha, diretora executiva da Abol.
“Sabemos a relevância do serviço prestado pelos Correios e defendemos que há espaço para todos, desde que cumpram as mesmas exigências e operem em igualdade de condições. Privilegiar uma única empresa estatal em um setor que já conta com operadores altamente especializados, capazes de oferecer soluções mais eficientes e economicamente vantajosas -e que não raro são subcontratadas pelos próprios Correios- é uma medida incoerente e que precisa ser revista”, diz Cunha.
Em nota à reportagem, os Correios afirmam que as normas que tratam da contratação preferencial da estatal por órgãos do governo federal “foram editadas obedecendo todos os preceitos legais” e passam “sempre por uma pesquisa de mercado”. A preferência, diz, só é aplicada “quando houver viabilidade técnica, interesse da empresa e preço compatível com o mercado, conforme estabelece o próprio decreto”.
“Os Correios historicamente executam operações a órgãos públicos -em âmbito nacional, estadual e municipal- com comprovada capacidade que agrega valor aos serviços oferecidos por instituições públicas e privadas. A estatal tem sido responsável por operações importantes e essenciais para a população como a entrega de urnas eletrônicas, medicamentos, fraldas, leite em pó e provas de concursos públicos”, diz a empresa.
A ação judicial da Abol ocorre em um momento de crise nos Correios, que enfrentam severa queda de receita, perda de competitividade frente a empresas privadas de logística e dificuldades operacionais, agravadas por anos de subinvestimentos e discussões sobre uma possível privatização.
A estatal acumula um total de R$ 41,59 milhões em dívidas protestadas em cartórios de 23 estados brasileiros. O sindicato dos trabalhadores de São Paulo diz que os Correios estão diante de um colapso financeiro e operacional.
A empresa já teria alertado o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de que pode precisar de um aporte de recursos da União para conseguir melhorar sua situação financeira e evitar um furo no caixa.
No último dia 4, o presidente dos Correios, Fabiano Silva dos Santos, entregou sua carta de demissão.