RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) – A Raízen, principal grupo sucroenergético do país, anunciou nesta terça-feira (15) o fim das operações por tempo indeterminado da icônica usina Santa Elisa, em Sertãozinho, e a venda de 3,6 milhões de toneladas de cana-de-açúcar.

A decisão, de acordo com a companhia, faz parte de sua “estratégia de reciclagem do portfólio de ativos para captura de eficiência agroindustrial” e o valor de até R$ 1,045 bilhão arrecadado com a venda de cana própria e a cessão de contratos com fornecedores será usado para a redução do endividamento da companhia.

O endividamento da Raízen, do bilionário Rubens Ometto, atingiu seu pior patamar desde que a companhia abriu capital na Bolsa, em 2021, conforme levantamento da Elos Ayta Consultoria, que mostrou que seria preciso que a empresa fosse três vezes maior, em patrimônio, para o pagamento de sua dívida.

No quarto trimestre de 2024, a dívida bruta da Raízen foi de R$ 64,7 bilhões -a dívida líquida foi de R$ 54,8 bilhões. Controladora da Raízen, a Cosan reportou prejuízo de R$ 9,4 bilhões no ano passado e, segundo a empresa, parte do resultado negativo se deve ao desempenho pior que o esperado da Raízen.

Com 35 usinas produtoras de açúcar, etanol e bioenergia, a Raízen obteve no ano safra 2024/25 R$ 255,3 bilhões de receita líquida, com Ebitda ajustado de R$ 10,8 bilhões. Comercializou 34,2 bilhões de litros de combustível e produziu 5,1 milhões de toneladas de açúcar.

Surgida em 1936, anos após a crise do café devido à quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, a Santa Elisa teve papel primordial no desenvolvimento do setor na região de Ribeirão Preto -mais tradicional polo produtor do país.

A cana até então pertencente à Santa Elisa foi negociada com outros seis grupos do setor instalados na região de Ribeirão Preto: usinas Alta Mogiana (São Joaquim da Barra), Bazan (Pontal), Batatais (Batatais), São Martinho (Pradópolis), Pitangueiras e Viralcool (Pitangueiras). Sua capacidade de produção é de 6,1 milhões de toneladas de cana por safra.

A São Martinho, também em comunicado ao mercado, informou que assumirá 10.600 hectares de contratos da Santa Elisa num raio de 25 quilômetros de sua sede, sendo cerca de 80% de cana própria e 20% de fornecedores -cujo potencial de produção é de 600 mil toneladas de cana na safra 2026/27. O investimento foi de R$ 242 milhões.

“A conclusão da operação está sujeita à aprovação pelo Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica], bem como ao cumprimento das demais condições precedentes estabelecidas nos contratos. A companhia manterá o mercado oportunamente informado sobre eventuais desdobramentos relevantes do tema”, diz a Raízen.

O encerramento das atividades gerou críticas na cidade paulista, como a do Ceise-Br (Centro Nacional das Indústrias do Setor Sucroenergético e Biocombustíveis), que representa a indústria de base fornecedora de máquinas, equipamentos, tecnologias e sistemas para o setor.

“Embora respeite a autonomia das decisões empresariais, o Ceise-Br ressalta que movimentações dessa magnitude impactam diretamente a dinâmica industrial da cadeia produtiva, especialmente nos polos tradicionais do setor sucroenergético, como Sertãozinho e região. A suspensão por tempo indeterminado de uma unidade com forte representatividade histórica e operacional levanta preocupações quanto à manutenção da capacidade instalada, à preservação de empregos e ao fomento contínuo à inovação e sustentabilidade da indústria”, diz a associação.

Conforme o Ceise-Br, outra preocupação é com o efeito cascata nas indústrias locais, principalmente os contratos existentes com a Santa Elisa. “Situações como essa exigem atenção redobrada, uma vez que podem comprometer a previsibilidade dos negócios e a saúde financeira dessas empresas.”

A Santa Elisa empregava cerca de 1.200 pessoas, segundo relatos de funcionários. Não há informações oficiais sobre eventual transferência para alguma das usinas da Raízen.

TROCA DE CAFÉ POR CANA

A Santa Elisa foi fundada pelo empresário Maurilio Biagi e, além de ter relevância na diversificação econômica da região de Ribeirão, até então dependente das exportações de café, participou ativamente da criação do Proálcool, na década de 1970.

Em 2009, devido aos reflexos da crise financeira deflagrada no ano anterior, as usinas da família se uniram aos franceses da LDC (Louis-Dreyfus Commodities) e criaram o então segundo maior grupo do setor no mundo, somente atrás da Cosan.

À época, a empresa foi atropelada pela crise vivida não só pelo setor, mas também pelo estrangulamento do crédito provocado pela crise financeira internacional.

A saída era a venda ou a associação com outros grupos, como a Cosan, até fechar negócio com a LDC. Em 2021, ela foi adquirida pela Raízen, joint venture formada justamente por Cosan e Shell.

Filho de Biagi, o empresário Maurilio Biagi Filho afirmou nesta terça ter recebido “com tristeza” a notícia da interrupção nas operações da usina.

“Essa usina faz parte da minha história pessoal e da história da nossa região. Foi adquirida por minha família, em 1936, e desde então se tornou um verdadeiro símbolo do desenvolvimento industrial de Sertãozinho. Lá, iniciei minha trajetória profissional atrás do balcão do armazém, passei por todos os setores, da indústria à presidência, e pude liderar sua transformação em uma das maiores empresas do setor sucroenergético no mundo”, disse.

O empresário -que deixou de atuar na gestão da usina há 25 anos e não faz parte da sociedade há 20- afirmou ainda torcer para que os impactos da decisão sejam os menores possíveis.

Já a Canaoeste, associação que representa plantadores de cana, afirmou que a decisão da Raízen impacta diretamente a cadeia produtiva regional. A entidade informou que atuará com associados com contratos vigentes com a Santa Elisa para garantir que os direitos sejam preservados.