SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A cidade de São Paulo deixou de arrecadar algo entre R$ 982,4 milhões e R$ 1,2 bilhão desde que passou a conceder incentivos para o mercado produzir habitações para grupos cuja renda mais baixa dificulta o acesso à moradia própria, segundo estudo inédito da Fundação Tide Setubal em parceria com o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

Para chegar ao valor, pesquisadores analisaram isenções de outorga onerosa concedidas pela prefeitura de São Paulo de 2014 a 2024 para 2.146 empreendimentos que possuem unidades enquadradas como HIS (Habitação de Interesse Social).

Procurada para comentar dados da pesquisa, a gestão Ricardo Nunes (MDB) afirmou estar comprometida com a transparência na aplicação de recursos para a produção de moradias populares. O período analisado inclui também os mandatos de Fernando Haddad (PT, de 2013 a 2016), João Doria (sem partido, 2017 e 2018) e Bruno Covas (PSDB, de 2018 a 2021).

Conforme previsto no Plano Diretor de 2014, não há cobrança de outorga —taxa municipal que dá o direito de construir além da área do terreno— se a casa ou o apartamento for destinado a uma família com renda mensal de até três salários mínimos (HIS 1) e de três a seis salários mínimos (HIS 2).

O relatório destaca que o valor real dos incentivos pode ser maior porque a estimativa somente é possível em empreendimentos com todas as unidades voltadas para HIS ou que estão em zonas da cidade em que essas habitações são incentivadas.

Existem outras áreas da cidade ou modalidades de empreendimento para os quais a cidade também oferece incentivo, mas para as quais a prefeitura não disponibiliza informações sobre sobre a existência de unidades de interesse social.

É o caso de habitações que podem estar localizadas nas chamadas ZEUs (Zonas Eixo de Estruturação da Transformação Urbana), que são zonas nos entornos de estações metroviárias e corredores de ônibus onde se permite construir os maiores prédios da cidade.

Coordenadora da pesquisa, Bianca Tavolari afirma que a Prefeitura de São Paulo poderia melhorar a política ao tornar públicas todas as informações e valores sobre isenções concedidas ao setor imobiliário.

“O que nós apresentamos neste estudo é um cálculo muito conservador, mas é importante começar a fazer esta conta porque é a partir dela que poderemos, por exemplo, comparar o benefício concedido com as multas aplicadas para empresas descumprem as regras [vendendo HIS para famílias com renda acima do permitido]”, comenta Tavolari.

Desvios praticados por empresas que recebem estímulos para produzirem habitações sociais foram alvo de investigação do Ministério Público, cuja denúncia não foi aceita pela Justiça. Apesar disso, a Prefeitura de São Paulo vem alterando regras para dificultar fraudes e multando empresas que comprovadamente praticavam fraudes.

Em nota, a gestão Nunes disse já ter aplicado R$ 31 milhões em multas. A prefeitura também afirma ter notificado 440 empreendimentos desde janeiro deste ano. Outra medida adotada pelo município foi estipular tetos para a comercialização dos HIS 1 e 2 (R$ 266 mil e R$ 369 mil, respectivamente).

Setores do mercado e pesquisadores favoráveis aos incentivos à produção privada de habitação social têm afirmado que as fraudes comprovadas representam uma parte pequena de uma política pública que tem resultado em aumento da produção de moradia popular.

Atualmente integrando a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), o professor do Insper e ex-vereador paulistano José Police Neto destaca que nem toda a arrecadação supostamente voltada à produção de moradias resulta em novas habitações.

“Lembro sempre que o destino da outorga onerosa é o Fundurb [fundo municipal de desenvolvimento urbano] e ele tem financiado o recapeamento das ricas avenidas, como a Faria Lima. Prefiro [a aplicação do recurso] em HIS”, disse Police.

A partir da última década e notadamente após o Plano Diretor de 2014, as habitações sociais passaram de 16% para 53% do total da produção de moradia pelo setor privado na capital paulista. Em 2010, eram 5.748 imóveis enquadrados como HIS dentro de um total de 36.300. Já em 2020, a produção anual atingiu 49.589 em um universo de 94.503 habitações.

No relatório da Tide Setúbal e do Cebrap, porém, pesquisadores destacam que os cerca de R$ 1 bilhão concedidos em isenções são significativos se comparados a recursos que poderiam ser utilizados para a produção de moradia.

Para fins de comparação, diz o relatório, o montante corresponde a 1,8 vez a média da arrecadação anual do Fundurb, 98% de todo o orçamento executado da Secretaria Municipal de Habitação em 2023, e 3,2 vezes o orçamento previsto para a Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação) em 2024.