BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Os ministérios dos Transportes e do Meio Ambiente e Mudança do Clima do governo Lula (PT) chegaram a um acordo inédito para elaborar um plano socioambiental que viabilize a pavimentação da BR-319. A rodovia, que liga Porto Velho e Manaus, é um dos projetos mais controversos de infraestrutura do país quando o assunto é licenciamento ambiental.

O conjunto de medidas, batizado de Plano BR-319, foi selado por Marina Silva (Ambiente) e Renan Filho (Transportes), apurou a Folha de S.Paulo.

O plano cria um cronograma de ações de proteção ambiental e de desenvolvimento para os moradores do entorno. O objetivo é viabilizar o licenciamento do asfaltamento com a promessa de não repetir o padrão histórico de destruição ambiental que se vê na construção de rodovias na região amazônica, como a BR-163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA).

O Plano BR-319 prevê a contratação de uma AAE (Avaliação Ambiental Estratégica), documento que elenca as preocupações socioambientais para a formulação de políticas públicas na região. Além de prever o controle do desmatamento, o estudo deve conter medidas para fortalecer comunidades locais e resolver os problemas de titularidade de terras que se espalham ao longo do traçado da rodovia.

Para isso, será contratada uma consultoria independente e especializada na região. Uma das principais tarefas será organizar um conjunto de medidas para proteger uma faixa de 50 quilômetros de largura de cada lado da rodovia. A estatal Infra S.A., ligada à pasta de Transportes, foi encarregada de fazer essa contratação.

Há previsão de ações concretas de monitoramento e controle ambiental, combate ao desmatamento e fiscalização constante dentro dessa faixa, considerada como “zona crítica de impacto”.

Medidas de regularização de ocupações e destinação de glebas públicas, além de proteção de terras indígenas e unidades de conservação, também devem ser contempladas no plano. Do lado econômico, será montado um programa de atividades produtivas com incentivo a cadeias produtivas locais e práticas agroflorestais.

A consultoria, que ainda será contratada, terá oito meses para elaborar a Avaliação Ambiental Estratégica da área de influência da rodovia. O cronograma de medidas também contempla estudo para desenvolver um modelo de parceria de gestão territorial que envolve setor público e privado.

A BR-319 tem 882 km de extensão e hoje é a única rota rodoviária de saída possível para quem vive em Manaus. Se não for por esta estrada, o caminho são os barcos ou aviões. Aberta no período militar, a rodovia já foi asfaltada no passado, mas no fim dos anos 1980 foi abandonada e passou as décadas seguintes praticamente intransitável em períodos de chuva.

Hoje os primeiros 200 km de rodovia, a partir de Porto Velho, são pavimentados. Em seu outro extremo, a partir de Manaus, 250 km da estrada também têm asfalto.

Nos últimos anos, houve várias tentativas de asfaltá-la novamente, principalmente no chamado “trecho do meio”, parte central da estrada de aproximadamente 400 km, mas não houve avanço. O entrave se deu pelo forte impacto ambiental associado a essas iniciativas e a incapacidade de fiscalização dos órgãos de controle.

Em 2022, ações de pavimentação do trecho do meio —ainda sem licenciamento definitivo— coincidiram com um pico de desmatamento de 2.240 km² na região, o equivalente a 18% de toda a perda de floresta na Amazônia Legal naquele ano. Apesar de uma queda relativa em 2023 (12% do total desmatado na amazônia), os dados seguiram alarmantes.

O Ibama concedeu licença prévia ao Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) em 2022 para o asfaltamento do trecho central, mas suas condicionantes ambientais, segundo as duas pastas, seguem sem cumprimento pleno, além de haver ações civis públicas em tramitação que pedem a sua suspensão.

Em 2 de julho, a Justiça Federal restabeleceu a validade da liminar que suspende a licença prévia para o asfaltamento da BR-319, ao atender a um recurso do Observatório do Clima, rede que reúne mais de uma centena de organizações ambientais. A decisão foi tomada devido a “inconsistências legais, técnicas e ambientais no processo de licenciamento”.

Na manifestação ao TRF-1, o advogado do Observatório, Paulo Busse, aponta que a concessão da licença prévia desencadeou uma escalada de 122% do desmatamento no entorno do trecho da rodovia.

A estrada foi o estopim dos ataques dos senadores Omar Aziz (PSD-AM), Plínio Valério (PSDB-AM) e Marcos Rogério (PL-RO) à ministra Marina Silva em sessão da Comissão de Infraestrutura da Casa, no fim de maio.

A BR-319 atravessa um dos maiores mosaicos socioambientais do país, o que inclui terras indígenas (19% da área), unidades de conservação (32,8%), assentamentos, glebas públicas sem destinação e áreas privadas com pouca ou nenhuma regularização fundiária. O Plano BR-319 é resultado de um grupo de trabalho montado em 2023, com participação dos ministérios dos Transportes e Meio Ambiente, além de Dnit e Infra S.A., para estudar o projeto e propor uma solução.

Questionado sobre o assunto, o MMA declarou que o plano, que tem atuação coordenada com a Casa Civil, “possibilitará o debate sobre a pavimentação e restauração da rodovia”.

O Ministério dos Transportes afirmou que “está em diálogo permanente com o MMA e outros ministérios, construindo as bases para efetivar avanços no projeto de recuperação da BR 319/AM que conciliem desenvolvimento econômico regional, garantia de direitos e sustentabilidade ambiental”.