SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Novo Marco Legal do Saneamento, cuja sanção presidencial completa cinco anos nesta terça-feira (15), alavancou a participação privada nos serviços de água e esgoto de vários municípios brasileiros por meio de privatizações, PPPs (parcerias público-privadas) e, sobretudo, concessões.

Segundo dados da Abcon Sindcon (Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto), o número de municípios com participação privada no setor passou de 291 em 2019, antes do novo marco, para 1.793 neste ano (base de dados até 23 de junho), um crescimento superior a 516%. Isso significa dizer que uma em cada três cidades brasileiras possui serviços de saneamento sob a administração de uma empresa privada.

Sancionada por Jair Bolsonaro (PL) em 2020, a lei criou expectativas para a economia durante o governo do ex-mandatário, sobretudo para a retomada pós-pandemia. A medida era uma das prioridades do extinto Ministério da Economia para atrair investimentos privados para o país.

O novo marco do saneamento acabou com os chamados contratos de programa, firmados, sem licitação, entre municípios e empresas estaduais de saneamento, tornou obrigatório o processo licitatório e, com isso, abriu espaço para contratos de concessões por meio de leilões.

Ainda de acordo com o marco, até 31 de dezembro de 2033, o país terá de garantir atendimento de 99% (noventa e nove por cento) da população com água potável e de 90% (noventa por cento) com coleta e tratamento de esgoto.

A nova lei também concentrou na Ana (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) o papel de ditar normas de referência para as agências locais.

Representantes do setor apontam para avanços na infraestrutura do segmento nos últimos anos, na esteira do crescimento da participação privada, mas chamam atenção para entraves que dificultam o cumprimento das metas de universalização.

De acordo com um estudo realizado pelo CLP (Centro de Liderança Pública), no atual ritmo de investimentos e avanços, o Brasil deve alcançar a universalização somente em 2070 -ou seja, um atraso de quase quatro décadas em relação ao prazo previsto na lei.

Daniel Duque, gerente da inteligência técnica do centro, cita entraves como o atraso na entrega de documentos que comprovem a capacidade financeira das concessionárias para atuar nos projetos e a ausência de protagonismo político para coordenar a regionalização dos municípios em blocos.

Para garantir o atendimento a municípios menores, com poucos recursos e sem cobertura de saneamento, o novo marco determinou que os estados componham grupos ou blocos de municípios que poderão contratar os serviços de forma coletiva -o que o setor chama de regionalização.

Na opinião do advogado Fernando Vernalha, especialista em infraestrutura e que atuou na modelagem de projetos do setor, a regionalização existe hoje “mais no plano formal do que na prática”, sem uma governança interfederativa entre os municípios.

Vernalha diz acreditar não ser possível alcançar as metas de universalização até 2033. Além do atraso na regionalização, ele afirma haver dificuldades técnicas de estruturação dos projetos por parte dos municípios.

Por sua vez, Christianne Dias, diretora-executiva da Abcon Sindcon, discorda da preocupação do setor com uma suposta demora na regionalização dos municípios. De acordo com a entidade, 95,3% dos municípios brasileiros estão em conformidade com a exigência legal de regionalização.

Dias diz que “está muito cedo para a gente falar que a meta não será cumprida”. Ela reconhece, no entanto, que alguns estados não conseguiram concluir a regionalização de seus municípios. Segundo Dias, o sucesso desse processo depende do governador, que deve mobilizar prefeitos. “É um trabalho de convencimento. É um desafio grande.”

Eduardo Caetano, coordenador de conhecimento do Instituto Água e Saneamento, e Paula Pollini, analista de políticas públicas do mesmo instituto, dizem que, daqui em diante, as autoridades terão de observar atentamente a população de área rural ou que vive em moradias irregulares, que pode ser excluída das metas de universalização. Segundo eles, projetos de estados como Alagoas e Rio de Janeiro foram pensados exclusivamente para áreas urbanas.

Além disso, na visão de Pollini, os projetos terão de se adaptar aos riscos trazidos pelas mudanças climáticas e se adequar a conceitos como o de infraestrutura resiliente.