SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em meio aos impactos da guerra comercial impulsionada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a China ampliou as vendas de bens de consumo para o Brasil no primeiro semestre deste ano e bateu recorde na participação das importações brasileiras neste período.
O movimento segue uma curva já existente desde o início desta década e consolida o país asiático como o principal fornecedor de produtos ao mercado brasileiro -hoje, 26% das importações brasileiras têm origem na China-, seguido pelos Estados Unidos, com 16%.
O Icomex (Indicador de Comércio Exterior) divulgado pelo FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas) nesta segunda-feira (14) aponta um aumento de quase 12% na quantidade de compras brasileiras de bens de consumo duráveis da China neste primeiro semestre, em relação ao mesmo período do ano passado. A maior alta foi em maio, quando desembarcaram no país 110% a mais de produtos chineses em relação ao mesmo mês de 2024.
A explicação passa pelo aumento das vendas de automóveis chineses no mercado brasileiro. Só em maio, por exemplo, o porto de Itajaí, em Santa Catarina, recebeu 7.000 carros da BYD vindos da China -até então, o quarto desembarque da empresa no ano em portos brasileiros. Isso sem contar os desembarques de veículos de outras montadoras chinesas, incluídos de carros elétricos e à combustão.
A enxurrada preocupa as fabricantes locais de carros, que veem a participação de carros importados crescer no mercado brasileiro. No primeiro semestre deste ano, os emplacamentos de veículos nacionais subiram 2,6%, enquanto os de importados cresceram 15,6%. Hoje, de acordo com a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), os carros chineses representam 6% do mercado brasileiro.
Essa curva no setor de automóveis acontece mesmo com o aumento dos impostos de importação para veículos elétricos e híbridos, que há um ano eram taxados em 18% e 25% respectivamente e, desde o último dia 1º, em 25% e 30%. Ainda assim, segundo fontes do mercado, ainda é mais barato para algumas montadoras chinesas com produção no Brasil importar seus veículos do que fabricá-los localmente.
Além das tarifas de Trump contra o país asiático, o aumento é motivado pela competição entre as próprias marcas chinesas, que procuram outros mercados externos para venderem suas mercadorias e ampliar seus faturamentos. Esse movimento acontece inclusive em outros setores, como no de eletrodomésticos.
“Houve mudança estrutural no comércio com a China, e o Brasil vai importar cada vez mais bens de consumo”, diz Lia Valls, pesquisadora associada do FGV Ibre e professora da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). “Como o mercado chinês vai ficando saturado, as empresas desovam no mercado externo e a competição que tem lá se reproduz em outros mercados, principalmente no de países de renda média alta, como o Brasil”, complementa.
A participação dos EUA na balança comercial brasileira, aliás, tem caído nos últimos anos. O Icomex aponta que em 2001 os americanos eram responsáveis por 23% das importações brasileiras. A queda de lá para cá, analisa o estudo da FGV, está relacionada aos avanços da China. “Esse resultado se explica por mudanças nas vantagens comparativas dinâmicas e não por uma deliberação de políticas brasileiras”, diz o relatório.
Segundo quem acompanha os negócios entre chineses e brasileiros, houve também aumento na importação de celulares e eletrodomésticos, como ar-condicionado e geladeira. Neste último setor, a China vem ampliando suas vendas para o Brasil desde 2021, quando se tornou a maior fornecedora de refrigeradores domésticos para o mercado brasileiro, passando Coreia do Sul, México e Tailândia.
Houve ainda crescimento nas importações de bens de consumo não-duráveis da China, como produtos têxteis. De acordo com o Icomex, houve aumento de 40% na compra desses bens chineses no primeiro semestre do ano, em relação ao mesmo período do ano anterior, em relação à quantidade.
Por outro lado, houve diminuição no valor das importações em todas as categorias de bens de consumo neste primeiro semestre. Os bens de consumo duráveis, apesar de terem sido mais vendidos, renderam aos chineses 18,4% a menos do que nos seis primeiros meses de 2024. Já os bens de consumo não-duráveis renderam 2,1% a menos. Esse movimento indica que as mercadorias chinesas têm chegado com menor preço ao Brasil, o que dificulta ainda mais a concorrência com as indústrias brasileiras.
A China também é preponderante nas importações brasileiras de outros bens, inclusive nos intermediários, como o aço -outra matéria-prima alvo de queixas de indústrias com fabricação no Brasil.